Amanhã completa 15 anos da morte de meu pai.
Um homem que, obviamente, sempre idolatrei pelo caráter, retidão e amizade.
E, ao mesmo tempo, odiei pela agressividade gratuita. Mas sobre isso falo depois.
Sou tão semelhante a ele em tantas coisas (dããã, genética...) que às vezes sinto que analisá-lo é me auto-julgar.
Fisicamente então, chega a ser hilário. Afinal de contas tenho um irmão, que também se parece, mas todos sabem que o "clone" sou eu. Os recentes filtros de mídias sociais, que emulam a velhice, chegam a ser assustadores, tamanha a fidelidade em espelhar ele em mim.
Sua personalidade calada/brincalhona/mal-humorada/carinhosa/agressiva sempre me intrigou e, ao mesmo tempo, me fez entender que podia/deveria ser diferente dele nos itens em que considerava ruins. Fechar a porta na cara dos genes. Simples assim.
Não foi (é) fácil, sabe? Uma batalha diária tentando ser melhor que ele. É possível? Difícil superar seus ídolos.
Mas uma coisa eu tive bem clara na minha mente desde muito jovem. Que não cometeria os mesmos erros que ele. Cometeria outros, quiçá piores, mas os mesmos, não.
Hoje consigo dizer, sem sentir ódio, que ele foi cruel comigo. Apenas uma constatação. Fruto do álcool, quase que certamente, do cansaço da vida, muito provavelmente, nós sabemos como funciona: descontar suas frustrações nos outros, quase sempre com motivos torpes, injustificáveis, mas motivos que desencadeavam agressões pesadas e cruéis.
Mas não estou aqui para lamentar.
Me recordo da única vez em que ousei bater em uma filha minha. Era tão pequena e indefesa. Quando caí em mim, todas as lembranças de meu passado emergiram das trevas e me paralisaram. "Você não disse que não cometeria os mesmos erros que ele?"
E nunca mais voltou a acontecer. Me considero um vitorioso pois, curiosamente, a Psicologia Clínica sabe muito bem que quem é agredido repetidamente na infância tende a perpetuar as agressões a seus descendentes.
E por falar em psicologia, certa vez, em terapia, relatei quase que literalmente isso que agora escrevo. Não foi fácil, nunca é, essa catarse mental de vomitar seus podres a uma desconhecida com poker face. Obviamente lágrimas não faltaram, ao contrário, quase me afoguei nelas. Mas naquele dia pude dizer em alto e bom tom.
Eu perdôo meu pai.
Talvez essa semelhança físico-espiritual me faça compreender o que se passava em sua mente? Um pouco exagerado, por certo, afinal quem realmente sabe o que o outro pensa? Suas motivações, angústias e anseios? Mas gosto de imaginar que sim, que consigo acessar o submundo de sua alma e assim o entender.
E perdoar.
Só sobraram as saudades e essas são imperdoáveis.