As cartas sem destinatário.

1. Hyacinthus - A tristeza por cometer um erro.

09/08/XX - O jacinto roxo significa tristeza por cometer um erro.

Caro, Jacinto.

Tenho sentido falta do passado, daquele tempo que éramos crianças. Eu lembro quando estávamos deitados no chão da quadra e não era tão importante aquela sujeira. Você me disse que queria viver e eu respondi que esperava que fossemos reais. Acho que nunca nos conhecemos de verdade, eu só era uma criança e talvez, você já fosse uma mulher.

Eu lembro que você tinha esperança do amor ser verdadeiro, eu também lembro de encarar o teto com as bolas de futebol penduradas e nunca me questionei do porquê estarem presas ali. Acredito que na minha cabeça, era provável que elas eram as nossas estrelas.

Sinto falta desse momento, queria conversar com você de novo e não falaríamos sobre a morte.
Não falaria sobre o que aconteceu ou o porquê aconteceu, já que todos sabemos da verdade dentro de nós mesmos.

Queria que fosse o horário de educação-física e pudéssemos deitar na arquibancada. Falaria tudo o que não pude falar e mentiria sobre o que de fato, queria dizer. Fingiria que somos amigos e pararia o tempo.
Eu queria voltar no tempo para os momentos que você existia e pudéssemos ser crianças de novo.
Desejo impossível já que as manhãs dessas quintas-feiras de fevereiro, não voltam nunca mais.

Eu imagino o calor que sentia quando o sol aparecia de mansinho no amanhecer e falávamos mal de todo mundo. Na minha cabeça, eu pensava que você tinha feito uma viagem para muito longe e que apareceria de repente, rindo dos nossos rostos borrados. Eu me sinto um idiota.
Eu me transformei em um homem e você se transformou em uma lembrança. E quando cheguei em casa, tive que te enterrar no meu terreno baldio das memórias para que pudessem servir de adubo na minha plantação de jacinto.

Para esse lugar que você foi, tem como deixar as luzes acesas? É que a escuridão tomou conta do meu coração e eu não consegui enxergar onde se encontravam as respostas.
Eles sempre dizem que os homens mais velhos não choram, mas eu tenho estado soluçando tanto quanto um recém nascido.
Minhas lágrimas formaram um novo rio que agora cai nas torneiras do lar dos amargurados. Eu tenho paralisado de medo de acabar terminando igual a você, armazenada dentro de uma caixa para ser guardada na inexistência.

Eu lembro do meu corpo dormente repousando porque nada se compara a um sonho febril. Quando passo perto daquele ponto de ônibus, lembro que você já esteve ali no lugar de uma dessas senhoras. Eu me pergunto se elas sabem de você e mesmo que soubessem, o que elas poderiam dizer que não parecesse tão humanamente insensível?

Teve um tempo que via você escondida entre uma multidão de desconhecidos, mas só era uma brincadeira de mal gosto que a mente trapaceia em nos fazer chorar. Eu queria que você soubesse que partiu o meu coração quando parou de falar comigo depois que descobriu que as lagartas se tornam borboletas e estão em constante metamorfose.

Ironicamente, uma parte de mim foi arrancada sem permissão. A verdade é que se alguma noite conseguir alcançar a minha língua para levar essas palavras até você, estarei na rua dos agressivos, próxima ao antigo bar dos mal criados.

Com amor,
"A voz engraçada de Deus".