10. Helianthus annuus - Confie na vida.

30 4 2
                                    

11/10/XX - O girassol representa a luz do sol, a vivacidade e a alegria, por isso, quem presenteia uma pessoa com esta flor, está expressando votos de alegria ou quer homenagear uma pessoa escolhida representando-a tão cheia de vida.

Cara, ㅤㅤㅤㅤ...

Eu fiz um buquê de flores para você.
Dentro dele consiste as flores de Jacinto, Açucena, Lírio-do-Vale, Petúnia, Astromélia, Lírio-da-aranha-vermelha, Anêmona, Narciso, Amendoeira e Girassóis.

Eu sinto muito.

De coração, queria que fosse eu e não você porque você viveria bem melhor do que eu. É segredo que não consigo atravessar passarelas ou viadutos porque ninguém entende as minhas piadas sarcásticas só para fingir que a dor faz cócegas bobas. Quando olho para o espelho, vejo que me tornei tudo que queria ser. A criança que fui está dentro de mim, brincando de pega-pega para que as de agora, possam brincar de esconde-esconde porque quero deixar que persigam aquilo tudo que sempre perseguir. Eu lembro de você quando a dor do mundo cai sobre o meu peito e me pergunto para onde vão os sonhos dos falecidos. Será que eles morrem junto dentro dos seus corpos? Eu queria saber como fazer para que pudessem ser realizados.

Não é justo, mas me sinto culpado de estar aqui agora, sendo que você nunca mais vai estar aqui. Eu queria ter ido com você para que não fosse sozinha sem partilhar o choro. Eu pegaria todo o sofrimento, doaria a minha alma em todo o seu espírito para que pudéssemos ver de fato o céu para além de todas essas estrelas. Eu daria a minha própria vida, mas o que quero te dizer é que algum dia, irei correr para longe de passarelas e viadutos. Vou correr em direção ao mar para minha mãezinha e vou torcer para que ela entenda a perca da minha fé no mundo.
Vou pedir para mãezinha me banhar em suas águas para lavar o que não se curou e eu vou torcer de verdade para que não chore mais ao pensar em você.
Seria impossível escrever sobre mim, sem estar escrevendo sobre você porque as memórias partem conforme o tempo avança, algumas me trazem consolo, um singelo alívio das pequenas brechas entre a dor de amar. Você é a minha memória inconsolável feita de um amargo agridoce e é nela que tudo falece para dançar com a vida. No fundo, ainda continuamos sendo duas garotinhas esperando o ônibus da escola. A diferença é que eu ainda tenho ponto para descer e você, segue em frente para além de qualquer transporte urbano. Um dos meus sonhos era para que você fosse feliz, pedi para Deus que se houver céus e que se por um acaso ele pensasse em reservar algum espaço nele para mim, trocasse para você.

Eu não quero ir para lugar nenhum que não tenha você nele.

Aconteceu uma coisa linda quando atravessava a passarela. Quando olhei para baixo, tinha um pé de girassóis me chamando. E eu quis chorar feito menino, só que nem meu pai ou as pessoas da rua entenderiam os meus olhos vermelhos. Eu vou escrever para você pela última vez porque quero fazer lembrar que apesar dos pesares, também tenho direito a felicidade e que o meu corpo não é feito de tristezas ou abusos. Irei sempre sentir falta de um tempo que não aconteceu e sempre remoerei aquelas palavras que nunca ousei citar. Hoje vou abrir o meu coração com uma faca de cozinha para te mostrar os girassóis que nasceram dentro dos vasos sanguíneos. Tem raízes nas artérias e as cavidades estão espinhosas. Eu quero ser real, fiquei muito tempo em silêncio para fugir dos meus próprios sentimentos. Eu nunca disse nada, mas os barulhos da minha voz confusa disseram por muitos e muitos anos, tanta coisa.
Eu sei que se fosse eu, ninguém choraria como chorei por vários anos. E graças a Deus porque através disso, descobri qual era a definição de amor. Irei reivindicar todas as vezes que vocês me maltrataram quando viram o meu corpo nu sobre a mesa.

Por favor, não diga que me ama se ainda não descobriu todas as mágoas penosas dentro do meu âmago.
Todo esse sangue da faca de cozinha, é um lembrete que sou um ser humano também. A forma que a luz do sol brilha sobre a minha cabeça, faz parecer como se fosse um beijo na minha testa. Eu lembro de ficar na escada esperando por você, por alguém, por qualquer pessoa e nunca aparecer nada. Eu lembro também da vez que peguei um microfone para recitar um poema de minha autoria porque como eu era um poeta, nunca tinha aprendido a amar e ninguém entendeu nada. Falei na mesma língua que eles, usando as mesmas palavras que eles e ninguém percebeu nada. Nem você, nem alguém ou qualquer pessoa. Assim como escrevo com uma mistura de esperança e desilusão de me encontrarem nesses parágrafos.

Eu lembro daquele dia que nos encontramos no ponto de ônibus para o inferno de lugar nenhum e você me abraçou. Mas eu não pude deixar de perceber todos os cortes do seu braço e não pude dizer nada porque nem sabia o quê ou como dizer. Eu perguntei a garota dos cabelos ruivos, na qual tinha entregado toda a minha paixão, sobre o que poderíamos fazer diante disso. Eu lembro de seu sorriso irônico porque ela nunca foi de se envolver com muita coisa, me pergunto se dentro do coração já viveu alguém em algum tempo. Dessa forma, sem alternativa, tenho recordações da navalha que tirei debaixo da minha língua e ataquei todo o meu braço. Cortei igual como você cortou, parecia como um código de barras e passei no mercadinho das esquinas para mostrar aos vendedores. Eles riram da minha cara por eu acreditar que a minha carne poderia sequer ter algum valor. Consigo escutar todas as risadas desdenhosas sobre nossos corpos mutilados pela corrupção amarguenta. Nunca vou esquecer quando me perguntaram sobre o que sobra de um corpo preto quando ele para de funcionar e perde a batalha contra o mundo. Você já era mulher e preta. E eu já era desumano e uma fraude.

O meu espírito vaga nas poesias que ninguém quis ler, nos livros que nem pensei em pegar e nas bibliotecas que nunca entrei. Apesar de toda arte que fiz com o meu útero, no papel cheio de rabiscos estranhos, os murais da dor que queria denunciar, os textos que não publiquei e as músicas que não deixei que fossem cantadas. Apesar de eu estar sempre dando risada como se tudo fosse excepcionalmente engraçado e a minha dor fosse apenas uma piada barata. Apesar da minha mãe não ter lavado as minhas costas.

Apesar que todas as estrelas que eles criaram juntos, estão desaparecendo...
Não vou me preocupar já que as verei novamente algum dia. Vou pegar somente o que preciso para seguir o meu caminho e parar de chorar tanto pelo que nunca poderei mudar : o que foi e se foi.

Nós somos todas essas estrelas presas naquele teto inacabado, cheio de bolas de futebol presas que estão começando a cair e você já desapareceu. Eu tenho que levantar.

Eu acordei de manhã cedo para regar os girassóis e o sol estava tímido demais para beijar a minha testa. Mas podia sentir que ele estava confiando em mim.

E eu confio em você.

Com amor,
"A voz da engraçada de Deus."

As cartas sem destinatário.Onde histórias criam vida. Descubra agora