Capítulo 4

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Nevava quando Lucien deixou Velaris, não uma tempestade, mas o suficiente para que o vento frio fosse cortante e a neve como pequenas agulhas sendo enterradas na superfície de sua carne.

Em dias normais, ele gostaria disso.

Em dias normais, ele amava brincar na neve e achava o frio reconfortante. Mas agora, ele tremia por não conseguir se aquecer com sua magia, ou melhor, não queria.

Não importa que conscientemente ele tentasse chamar seu poder, o fogo era emocional, e suas emoções estavam claramente do lado da melancolia no momento, então nada de chamas independente de sua vontade.

Foi frustrante e só serviu para arrastar suas emoções ainda mais na merda metafórica que sua vida era.

A última vez que ele esteve tão abatido foi quando Jesminda morreu. Desde o dia em que Lucien foi forçado a vê-la ser assassinada, ele nunca mais conseguiu usar todo o seu poder sem estar perdido nele.

Durante a guerra era matar ou morrer, então o raposo se afundou nisso ao ponto de não lembrar quando parou de matar, até que havia alguém perguntando brevemente se ele estava ferido. Tudo o que ele sabia antes disso era que puxou sua espada e deixou a lâmina rubra antes de se jogar no primeiro adversário, mais nada.

Era apenas conveniente que precisar usar todo o seu poder estivesse relacionado a estar em perigo extremo e, por consequência, poder se deixar perder em sentimentos até se afastar de seu próprio corpo. Porquê em qualquer outra situação, Lucien não poderia ir ao seu máximo.

Foi só... um bloqueio que ele não conseguia evitar, por mais que já tenha se passado mais de dois séculos. E agora ele não conseguia mais nem aquecer seu próprio corpo. Definitivamente estava se tornando inútil.

Tão inútil que talvez Vassa e Jurian não o aceitassem de volta. Claro, eles eram amigos e sua mansão poderia ser chamada de casa, mas Lucien sempre teve casa e amigos até deixar de ser útil. Quando seu ardil acabava, quando soltava uma palavra errada, quando se apegava demais, tudo desmoronava.

As pessoas, humanos e feéricos, não querem amigos, querem ferramentas. De que servia uma ferramenta se estivesse quebrada? De que servia um feérico diplomata que parecia acabado e tão cansado que não poderia forçar um sorriso amigável nem que custasse sua vida?

Além disso, mesmo que Vassa e Jurian fossem, por algum milagre, diferentes, e não quisessem abandoná-lo ao menor sinal de fraqueza, ele não poderia estar constantemente perto dos dois.

Mesmo que pudesse, não havia em si alegria suficiente para ignorar o fato de quê os dois humanos, mesmo contra suas vontades, o abandonariam, porque eles eram mortais e seu tempo chegaria ao fim muito antes do que o tempo de Lucien.

Com seu humor lembrando-o de como o único destino para ele era a solidão, Lucien certamente não conseguiria se animar com brincadeira alguma no momento, e ele não queria contaminar a felicidade dos dois humanos com sua amargura estúpida.

Quando o raposo deixou a Cidade das Luzes para trás, imaginou inicialmente que poderia ir para o mundo humano, dado que era o mais próximo de um lar que tinha no momento. Entretanto, em vista de suas mais novas revelações, Lucien parou seu caminho pela floresta e suspirou pesadamente.

Ele estava exausto e o peso da fala de Azriel sendo um punhal de realidade em sua alma não ajudava no fato.

Lucien não era dado a dramas. Floreios sim, com frequência absurda, mas dramas? Não. Entretanto, por mais dramático que soasse, o ruivo podia sentir o punhal metafórico enterrando cada vez mais fundo conforme o frio cortava sua pele sensível.

Lucien podia se sentir sangrar mesmo que nenhuma gota realmente escorresse. Ele estava desmoronando e não sabia como impedir, não tinha forças para impedir. Se apenas Lucien se permitisse afundar ainda mais, ele sabia que poderia deixar o frio levá-lo.

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