— E-est-tudar? Agora?
Neelan assentiu com inocência, ajeitando o livro grosso e escuro que tinha enroscado em seus braços e eu não percebi. Em sua contracapa marrom, um Homem Vitruviano me encarava com sua cara séria.
— Acabei de descobrir que a minha aula no orfanato foi cancelada, porque as crianças estão fazendo um cinema à céu aberto, aí eu estou livre agora à noite e pensei que fosse uma boa ideia vir te ajudar com a... — Sua voz morreu conforme o som de passos se aproximando ganhou espaço em minhas costas. Instantes depois, senti Jason estacar um pouco atrás de mim, descansando a mão na lateral do meu quadril em um gesto protetor.
Foi sutil, mas notei o brilho de Neelan se apagar, levando junto o singelo sorrisinho que lhe tomava os lábios.
— Neelan, você por aqui? — Não havia cordialidade na voz de Jason.
— É — ele deu de ombros, parecendo envergonhado —, eu tinha vindo estudar com a Anne, porque vamos ter uma prova muito importante na terça e ela está com um pouco de dificuldade em uma parte do conteúdo, mas acho que talvez não seja uma boa ideia...
O silêncio que se seguiu explicitou a minha falta de uma saída.
De seu lugar na capa, posso jurar que vi o Homem Vitruviano dar uma risadinha, achando graça da situação embaraçosa.
A real é que eu sabia que Jason e Neelan não suportavam a ideia de compartilhar o oxigênio do ar que respiravam. Eu nunca entendi o motivo dos dois nutrirem tamanha repulsão mútua, mas precisei aprender, no decorrer dos últimos quatro anos, a lidar com a inimizade entre o meu marido e o meu amigo, o que não foi a mais fácil das tarefas.
O sensato seria dizer a Neelan para que estudássemos na próxima semana, só que eu tinha consciência do quão corrida era a sua rotina e enxergava o valor que aquelas poucas horas de uma sexta à noite vaga lhe eram valiosas; e ele estava as oferecendo para me ajudar com uma matéria que sabia de cor e salteado, eu não queria soar ingrata ao enxotá-lo da minha casa.
— Neelan... — comecei, mentalmente ainda procurando por uma forma de sair da saia-justa sem apertar demais um dos lados e acabar causando um estouro. — Olha, nós poderíamos...
— Pode entrar — Jason expeliu, sua resposta neutra me pegando de surpresa. Ao receber minhas sobrancelhas curvadas em indagação, ele se certificou de abaixar o tom de voz para que soasse mais reservado. — Sei que você ainda está cursando matérias obrigatórias e precisa estudar, amor. — Ele se curvou e descansou um selinho demorado em meus lábios, falando neles. — Além do mais, não existe nada mais sexy do que uma mulher inteligente.
Contive um sorrisinho bobo.
— E você? — Minha pergunta soou em igual timbre.
— Eu vou aproveitar para adiantar umas tarefas da semana que vem. Vou reassistir a alguns jogos e fazer umas análises, depois a gente mata a saudade. Vamos ter o fim de semana inteirinho para isso — falou, dando-me um último selinho e se afastando na direção do sofá, antes enroscando no braço a mochila que trouxera e a levando consigo.
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Apostando em Nós
Fiksi RemajaQuais as chances de um relacionamento que começou com um "falso" em seu nome, teve o "sim" dito sob domínio do álcool e, por fim, universidades em polos distintos do país ocupando o espaço entre seus dois corpos logo em seus primeiros anos, perdure...