Ligação

Capítulo 02

Simone fechava os olhos enquanto tentava recuperar o fôlego. Estar com Leila a deixava em transe, uma sensação completamente nova para quem só se sentiu assim com uma única pessoa. A morena ao seu lado na cama parecia compartilhar do mesmo frenesi, pois além da respiração ofegante, o sorriso de satisfação continuava ali . Foi então que Simone notou o brilho intenso de seu celular iluminando o quarto escuro em que estavam. Pegou o aparelho sem pensar duas vezes, não costumava receber muitas mensagens, não aquela hora. Pensou em Fernanda, ultimamente a afilhada estava aprontando demais. Ou seria Elena? Crianças sempre apresentam sintomas de doenças na madrugada.

— Você precisa mesmo ver isso agora? — E o sorriso de Leila morreu ali.

Simone sentiu-se culpada, mas podia ser algo importante.

— Amor, e se aconteceu algo com as meninas? Só vou checar e podemos voltar ok?!

Não esperou que a namorada respondesse. Passou pelas notificações de Fefe, de Elena e abriu direto a conversa com Soraya. Por que? Não havia um motivo, foi só o costume falando mais alto. Odiava qualquer tipo de interação por mensagens, mas sempre fazia questão de responder Soraya, porque pra ela, aquilo tudo era muito importante. Então, todas as vezes que abria o aplicativo de mensagens , a primeira conversa a ser lida era a dela.

Levantou na cama em um pulo.

— Ei, o que aconteceu?

— Soraya não está bem. Aconteceu alguma coisa — Respondeu a mulher enquanto digitava.

Saiu da cama, procurando alguma roupa para vestir.

— E por que você precisa ir, amor? — Leila perguntou, mais manhosa do que de costume.

— Você não ouviu, Le? Alguma coisa aconteceu com ela.

— E por que o namorado dela não pode resolver? E você tem que ir lá? Um telefonema não basta?

— Le, eu vou rapidinho. Sabe como a So é sensível. Ela não mandaria mensagem se não fosse importante, e outra, as meninas estão preocupadas — Simone respondeu enquanto colocava uma calça qualquer, estava visivelmente com pressa.

— Ela sempre tem uma questão muito importante — Cruzou os braços em forma de protesto.

— Volto o mais rápido possível ok?

— Fazer o que né, te amo.

Leila não obtém uma resposta

Há pouco tempo atrás Soraya teve uma depressão horrível, tão feia que Fernanda acreditou que perderia mais uma pessoa importante. Foram meses de uma Soraya vazia, que mal se alimentava e não falava com ninguém . Simone praticamente se mudou para a casa delas e ficou responsável por tudo. Elena era pequena, e por isso não se lembrava de muitas coisas, mas o clima tenso e o choro da madrinha a ela era familiar e por isso, naquela noite, a pequena sentia-se muito ansiosa.

Após girar a chave na fechadura, antes de poder tocar a maçaneta, Simone foi surpreendida por uma Elena elétrica.

— Você veio! Estamos salvas, Fe!!!

A morena deixou ser agarrada pela menininha.

— O que você está fazendo acordada uma hora dessas, Elena? — Tentou se fazer de brava, mas foi só a menina cobrir os olhos com as mãozinhas que a pose caiu por terra.

— Açúcar. Muito açúcar — Fernanda falou, entrando no cômodo com cuidado, como quem estava com medo de descobrir o que estava ia acontecer.

— Não pode, Fe. Como esta criaturinha vai estudar amanhã? — Simone foi até a afilhada mais velha, beijando-a no rosto.

— Aliás, velha é a tua vó. Cadê a So?

A piada de Simone dissolveu um pouco o clima que estava no ar, e as duas meninas riram antes de apontar para o andar de cima.

— Ok, eu vou até lá ver o que aconteceu. Fernanda, coloca a Elena para escovar os dentes e dormir. Você também precisa dormir. Não quero sair do quarto e encontrar vocês acordadas, ok?

As meninas concordaram com a cabeça enquanto Simone se diria para o quarto de Soraya.

Bastou duas batidas leves para a porta ser aberta e ela ser recebida por um abraço forte, cheio de desespero.

— Aconteceu de novo, Simone.

— Ei olha pra mim, não chora. Não é a primeira vez que isso acontece, né? Ele vai voltar, e as coisas vão ficar bem. Calma. — A morena levantou o rosto de Soraya, limpando as lágrimas que escorriam.

— Não... você não está entendendo, agora acabou mesmo. Ele disse que quer se casar com alguém que possa ter filhos.

Um silêncio ensurdecedor tomou conta do quarto. Soraya havia sofrido um aborto há mais ou menos três anos atrás, o que acarretou uma depressão profunda. Simone a abraçou, sentiu medo de quase perdê-la outra vez. A loira ainda chorava baixinho quando foi arrastada para a cama. Simone ajeitou uma Soraya em pedaços sobre seu peito, enquanto acariciava as madeixas loiras. Isso bastou, aos poucos Soraya ia se acalmando, o choro passou, dando início a um sono pesado. Parada ali, pensando nas mil formas que mataria Marcelo, o então noivo da amiga, Simone também se deixou levar pela sonolência que dominava o seu corpo pouco a pouco.

No começo, Leila tentou distrair-se vendo um episódio da série que acompanhava, mas não conseguia se concentrar. Apesar de confiar em Simone, não gostava da amizade tão intensa e quase dependente que tinha com Soraya. Apesar de negar, sabia que já tinha acontecido algo a mais entre as duas, e por isso, não conseguia agir de forma normal quando a namorada largava tudo para socorrer a suposta amiga. Leila precisa impor limites, para o bem de Simone e da relação que mantinham. Entretanto, sempre quando tentava começar a conversar sobre, dava de cara com a questão guarda compartilhada de Fernanda e Elena, e quando o assunto era as meninas, Simone não admitia nenhuma intromissão, seja de quem for. Olhou o relógio e se assustou com o ponteiro que indicava o começo de um novo dia.

Aconteceu de novo. Ela dormiu na casa de Soraya. Ficava imaginando se as duas dividiam a mesma cama, ou se pelo menos Simone se dava ao trabalho de dormir em outro lugar. Será que Marcelo não percebia? Por que ele não tomava as rédeas da situação? Mas não, claro que ela ia ter que falar e ser taxada como a louca, malvada. Pegou o celular e ligou para Simone. Nada. E então mandou uma mensagem.