Capítulo 05 - Parte I

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Ser dona da única empresa de eventos em uma cidade tão pequena como tupã era sinônimo de sempre estar envolvida na organização das festas e fofocas do lugar. Para Soraya, que sempre gostou de ambas as coisas, este era o emprego perfeito.

Naquela noite, a filha mais velha do prefeito iria se casar, e a SS Eventos fora contratada para cuidar dos sonhos e desejos do casal apaixonado. No finalzinho da tarde, a loira já havia terminado de repassar os últimos detalhes para os empregados que participariam da organização. Apesar de cansada, Soraya estava realizada. Cada festa que organizava era como se fizesse para si, combinava tecidos, escolhia as músicas e até estudava botânica para saber se a flor escolhida se ajustava perfeitamente com o casal da vez. Simone era a parte mais técnica do negócio, cuidava das finanças, dos contratos e freava as ideias mirabolantes da sócia. No final, com o projeto da comemoração pronto para aprovação, elas sempre eram convidadas a participar do momento como uma forma de agradecimento por terem conseguido transformar ideias em concretude.

— Dinda? — Fernanda entrou despretensiosamente no quarto de Soraya.

— Oi, Fe. Vem aqui.

— Você está bebendo agora, So? — Fernanda fez uma careta ao sentir o cheiro que saía do copo da madrinha.

— Isso? É só uma dose — Sentiu vergonha e tentou esconder o copo.

— Isso parece uma busca por coragem. É isso?

Soraya sorriu, era inacreditável como a afilhada era perspicaz. Precisava de coragem porque não sabia exatamente se era o momento certo para falar com Simone. Sabia que a amiga e Leila estavam bem, vivendo uma verdadeira lua de mel, mas não sentia verdade naquela relação. Mas bem, quem era ela para julgar o casamento de alguém? A verdade é que precisava falar, independente de ser correspondida ou não, ela era do tipo que não gostava de guardar o que sentia. Concordava com Lulu Santos quando ele dizia que não tinha a paixão não tinha menor obrigação de acontecer. Porém, descordava quando a canção falava que caberia só a quem sente primeiro esquecer. Simone precisava sim saber, afinal, ela sabia sobre tudo desde que tinham 15 anos. Por que isso, algo tão bonito e importante seria diferente? Então era isso, havia decidido que contaria para a morena o que estava se passando em seus sentimentos.

— Talvez seja isso mesmo — Confessou.

— E por que você precisa de coragem? — A menina sentou de pernas cruzadas na cama, observando a madrinha analisar se deveria ou não contar a verdade.

— Olha pra você, já é uma mulher. O vestido ficou tão lindo, Fefa. Como você cresceu... Será que tanto ao ponto de ouvir as confissões amorosas da sua madrinha?

— Você ficou mal com o fim do noivado com o Marcelo, não é?!

— Sim, mas não porque eu o amava. Era mais por comodidade, o Marcelo era parte de uma vida que eu sonhei há muito tempo atrás. Ele enxergou primeiro que eu que o que tínhamos não era um noivado entre duas pessoas perdidamente apaixonadas. Claro, tinha carinho, mas faltava o principal que é o amor.

— E como a bebida se encaixa neste cenário de superação, Dinda?

Soraya sorriu, parou, pensou e respirou fundo antes de começar a falar.

— Talvez. Só talvez, eu esteja apaixonada pela Simone. Assim, digamos que eu... bom, comecei a perceber que é ela. Entre todas as pessoas, todas as tentativas, eu não percebi que era ela o tempo todo.

Fernanda gargalhou.

— Parabéns, dinda. Toma aqui o seu prêmio por perceber o óbvio. Mas assim, não é a primeira vez que vocês ficam de chamego né?

— Fernanda! Pelo amor de Deus.

— Qual é, convivo com vocês tempo suficiente para saber que já ficaram de casal por aí e que isso não acabou muito bem, So. Por isso, você tem certeza que agora isso é diferente? Ou talvez seja... — Fernanda pensou em uma forma de não magoar a madrinha, mas não encontrou — Carência?

Soraya entendeu a dúvida da sobrinha, de fato, o seu passado a condenava. Mas no fundo, sabia que era pra valer. Não que das outras vezes não fora, mas é que agora, ela já não pensava mais no futuro e no que uma relação mal acabada poderia resultar na vida delas.

— Não, Fe. Eu sei que errei nas outras vezes, mas... Gostaria que agora nós pudéssemos tentar de verdade.

Fernanda a abraçou com carinho e aproveitou para pegar o copo que descansava na mão esquerda de sua tutora.

— Então eu só posso te desejar sorte. E dizer que você não precisa disso aqui — apontou para o copo após se desvincular do abraço.

— A prova de que eu e Simone arrasamos na sua educação, olha este comportamento. Que orgulho!

A menina revirou os olhos.

— Vamos, So? Já estamos atrasadas e daqui a pouco você começa a chorar.

— É pecado ser emotiva, Fernanda?! — Brincou, enquanto seguiam para a saída da casa.

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Casa de Simone e Leila

— Por que a Fernanda pode ir e eu não??? Nós não somos irmãs? Tem que ter direitos iguais, dindinha.

— Meu dengo, vocês têm direitos iguais, mas no caso, a Fernanda está indo a trabalho — Soraya respondeu para Elena, a olhando pelo espelho retrovisor interno do carro.

— Eu posso trabalhar. Sou bem mais rápida que a Fernanda.

— Elena, eu esto aqui! — Fernanda esbravejou para a irmã mais nova.

— Eu sei que você pode, meu bem. Mas já decidimos, hoje você vai ficar com a Leila. Não vai ser ruim, ela parece... — Soraya pensou em alguma palavra boa, mas na verdade, Leila trazia consigo a imagem de alguém que detestava crianças. — Não importa o que ela parece, vai ser legal e qualquer coisa você pode me ligar, ok?

Elena estreitou os olhos, sabia que aquela discussão estava perdida. Não havia contado para as madrinhas, mas na última vez que ficara com Leila, a mulher a fez comer um prato gigantesco de sopa e ainda ficava falando como se ela fosse uma bebêzinha de três anos. A pequena de gênio forte, revirou os olhos, pegou a bolsa e desceu do carro. Soraya fez o mesmo, e seguiu atrás de uma Elena de bico e bracinhos cruzados. Tocou a campainha e foi recepcionada por Simone.

— Oi! — Abraçou a morena com carinho, entrelaçando os braços no pescoço.

Leila apareceu segundos depois e Simone empurrou Soraya com cuidado, nitidamente desconfortável. A loira não entendeu bem o porquê da reação, mas deu alguns passos para trás.

— Oi, Leila — Foi a cumprimentar com um beijo, mas foi pega por uma reação ainda mais hostil.

— Oi — A mulher da amiga respondeu.

— Ok, seja boazinha com a Leila. Eu te amo — Deu um beijinho na cabeça de Elena — Muito obrigada por cuidar dela. Qualquer coisa pode nos telefonar.

Leila sorri cinicamente e responde:

— Com certeza, patroa.

Soraya sentiu a antipatia da rival, mas decidiu que responder a altura só iria gerar uma confusão desnecessária. Não era dia e nem lugar para tal.

— Vamos, Soraya — Simone também interferiu e as duas seguiram para o carro.

— Tchau, dindas.

A porta foi fechada e as duas mulheres seguiram para o carro.

— O que aconteceu aqui? — Soraya foi a primeira a quebrar o silêncio constrangedor.

— Ela teve um dia ruim, não liga não.

— Tudo bem. Você pode dirigir até lá? A Fefa já está no meu carro.

— Claro, tudo bem.

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