Olhar o próprio reflexo, no espelho do banheiro de seu quarto, que ficava acima da pia era um ato compulsório. Que repetia por vezes durante o dia.
Cristiano Rodrigues Filho era um jovem alto, de pele clara e cabelo escuro que dividia ao meio de forma simétrica. Seus olhos eram de um castanho escuro penetrante, que lhe davam um ar de persuasão e confiança. Havia se passado uma semana, desde que completara dezoito anos, tinha dado uma festa bastante badalada no sítio do seu pai. A maioria dos convidados, consistiam em membros da equipe de futsal e alunas consideradas populares. Como entrada, cerveja e álcool eram servidos livremente, e como prato principal, alguns cigarros de maconha.
Ele tocou a própria face com delicadeza e admiração, tinha acabado de sair do banho e estava completamente nu. Cristiano teve uma infância financeira bem invejável. Mimado pela mãe, e bancado pelo pai. Contudo, o afeto e sentimentos familiares, como amor e carinho, estavam ausentes na casa aonde cresceu. Seus pais mantinham um casamento de fachada, e por ser um garoto observador, sabia da existência de cada amante do seu pai. E conhecia bem o personal trainer particular da mamãe.
Um jovem privado de sentimentos, se torna um adulto privado de sentimentos. Esse pensamento fez com que Cristiano crescesse com uma certa aversão, e dificuldade, quando se tratava em demonstrar sentimentos facilmente. Ele passou a crer que pessoas sempre tinham algum interesse por trás de qualquer sentimento ou afeto. Que as relações eram superficiais, que os status eram o que estava em jogo. Amar alguém com todo coração, apenas pelo puro amor em essência?, funcionava apenas em conto de fadas.-você vai me deixar em casa né?- perguntou a garota de cabelos loiros. Que se encontrava deitada, sem nenhuma peça de roupa, na cama dele.
-sim- ele respondeu de forma fria. Permanecia em pé, analisando seu reflexo de forma obsessiva. Como um artista perfeccionista analisa a própria obra de arte.
A jovem de cabelos loiros se chamava Elizabete Fortunato. Filha do respeitado neurocirurgião Mendes Fortunato, amigo próximo do pai de Cristiano. Ambos os pais, apoiavam a relação, viam os filhos como prodígios da sociedade.
Porém, oque eles não sabiam, era o fato de que os jovens, que acabaram de transar de forma, como a maioria das vezes, violenta e fria, se odiavam da mesma forma selvagem que o sexo.
Ele a achava muito superficial e irritante. Elizabete pensava a mesma coisa sobre ele, e também um certo medo e nojo por conta da sua obsessão compulsiva com a própria imagem. Tinha comentado com a melhor amiga, Julia, que Cristiano poderia ser facilmente um maníaco psicopata.
-você vai acabar quebrando o espelho querido- ela zombou.
-e você vai ficar velha antes dos trinta- ele respondeu sem alterar a voz e despertou da sua transe. Retirou a toalha da cintura e caminhou até o guarda-roupas.
Revirando os olhos, Elizabete se sentou na cama e começou a colher suas roupas que estavam no chão.
-você não tem medo que sua namorada descubra ?- perguntou com um sorriso malicioso nos lábios, sabia como atingir o ponto fraco dele. Com a mão direita, ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, e logo depois, começou a vestir a calcinha de renda, ainda sentada na beirada da cama.
A pergunta fez Cristiano fechar os olhos, e respirar fundo. Como ele a odiava. Ainda de costas para ela, inclinou-se pra frente até sua gaveta de cuecas e escolheu aleatoriamente. O silêncio não pareceu perturbar ambos.
-ela não vai descobrir nada, pois não existe nada entre a gente.
-a camisinha no lixo diz ao contrário.
-do que você tá falando?.
-você sabe oque eu quero dizer- Ela se levantou e subiu os shorts jeans até a cintura, puxou o zíper e olhou para as costas dele.
-realmente não sei- ele parecia murmurar cansado cada palavra. Tinha escolhido uma calça rasgada e uma camisa de botão preta. Estava abotoando-a quando decidiu se virar para ela.
-não gostaria que um namorado meu saísse transando com garotas por aí- ela balançou os ombros, ainda com o sorriso maligno nos lábios.
-parece que você tá com ciúmes- disse ele terminando de abotoar a camisa. Seu olhar, que antes parecia distante e frio, começava a tomar um pouco de intensidade.
-então é essa sua conclusão final, tão típico de vocês homens.
-você acha que isso aqui tem alguma importância pra mim?, você tá bem enganada Elizabete.
Ela vestiu sua jaqueta vermelha, que a identificava como jogadora do time de handebol da escola. Caminhou até o criado-mudo e pegou o pente de dentro de sua bolsa.
-eu só fiz uma pergunta, calma neném- respondeu ela, começando a pentear o cabelo. Poderia ter se calado, mas pra ela, aquilo do estava esquentando -se ela não se importa com você comendo outras por aí, então ela é vai ser a esposa certa.
-então agora você se importa com ela?. depois que já transamos tantas vezes- um sorrido de sarcasmo surgiu naquele lábios finos de Cristiano. Estava sentindo um certo prazer naquilo, era um jogo de provações e humilhação, que por errado que fosse, excitava ambos.
-tenho pena dela.
-sério?.
-é oque eu sinto.
-desde quanto sente alguma coisa- ele zombou.
-ela é uma boa garota, a Samanta.
-por que você falou isso?- o sorriso havia sumido. Uma pontada de ódio atingiu a mente de Cristiano e ele avançou para garota.
Elizabete, como reflexo, jogou o pente na direção dele, mas acabou errando o alvo. Ela foi derrubada na cama com um empurrão e antes que pudesse gritar, as mãos dele taparam sua boca. Estavam sozinhos na dele, seria inútil gritar. Seus olhos estavam arregalados, e, como um peixe fora da água, tentou se debater contra o peso que ele fazia contra seu corpo.
-nunca fale nome dela, você entendeu?- Cristiano estava com a respiração ofegante, seus olhos vermelhos de raiva, e as veias do seu pescoço saltavam. Sentiu um certo prazer quando Elizabete começou a chorar, mas os gemidos eram abafados por sua mão -sua puta, você acha que pode se comparar com ela? você acha mesmo- o sorriso maligno estava nos lábios dele.
Ele usava as pernas para prender o corpo da garota na cama, e sua mão esquerda, que usava como apoio no colchão, foi direto para o fino pescoço de Elizabete.
-estou te comendo apenas pro meu pai conseguir se aproximar da sua família, é um favor que estou fazendo pra ele- enquanto falava seu rosto ia se aproximando até colar contra a bochecha macia da jovem -você não tem valor nenhum pra mim, você é descartável- sua mão esquerda, começou a apertar o pescoço de Elizabete. Uma leve excitação subiu pela suas pernas até a região pélvica, isso lhe arrancou um sorriso ainda mais aberto -e eu sinto muito pelo seu pai, entregar a própria filha de bandeja pra alguém como eu, é deplorável. Mas eu serei gentil- agora era possível sentir os ossos do pescoço dela. seu rosto branco agora estava vermelho como uma pimenta, ela gritava contra a enorme mão dele -se eu desconfiar que você contou pra alguém, ou até mesmo que seu pai se afastou do meu, eu te mato sem nem pensar, você consegue me entender?.
Elizabete estava ficando zonza, o quarto a sua volta parecia girar, e as palavras estavam baixas, difíceis de se ouvir. Mas com as últimas forças, ela balançou a cabeça.
-isso foi um sim ?- Cristiano apertou ainda mais forte.
Elizabete havia fechado os olhos e parou de se debater.
-entenderei como um sim- disse ele balançando os ombros. Elizabete estava desmaiada.
Ele balançou a cabeça de um lado para outro para tirar o cabelo da testa, ignorando totalmente o corpo desacordado dela. Desceu da cama e esticou as mãos pra cima, numa espécie de alongamento. Estava se sentindo perfeitamente bem.
Nesse momento o telefone fixo, que ficava na sala tocou. Cristiano ajeitou a camisa que estava torta em seu corpo e caminhou até o outro cômodo. Saiu do quarto assobiando e enquanto passava pelo corredor, repassou a cena com Elizabete na cama. Um pensamento surgiu na sua mente, quase um questionamento, se teria algum prazer se transase com o corpo dela ainda desmaiado. Ele sorriu e passou a língua nos lábios, e já na sala, tirou o telefone do gancho no quarto toque, levando até o ouvido.
-Cris?- a voz era familiar, ele reconheceu imediatamente.
-oi amor, aconteceu alguma coisa?.
-sim.
-Samanta você parece cansada ?, andou chorando?- ele passou a mão pelo cabelo e se sentou no sofá. Teve uma leve sensação de desconforto, daquelas que aparecem antes de uma notícia ruim.
-um pouco.
-me conta.
-eu não sei como te...
-espera um pouco, você tá em casa ?, eu posso te buscar, vamos pro parque, eu chego em menos de..
-Cristiano- ela nunca havia chamado ele sim, mesmo antes do namoro -eu só quero que você me escute.
-é muito ruim ?- ele fechou os olhos e começou uma massagem na testa.
-acho que nosso namoro tá acabado.
-como assim acha?, do que você tá amor?, oque aconteceu?.
-por favor, eu estou me mudando de escola, não venha atrás de mim- a voz parecia trêmula.
-oque ?- a única coisa que ele conseguiu dizer.
-não me ligue, pro seu bem.A ligação foi encerrada, e Cristiano passou quase cinco minutos com o telefone colado na orelha. Estava confuso, amedrontado, sem saber exatamente como reagir. Elizabete estava recobrando a consciência aos poucos no quarto dele.
Em pouco tempo, descobriria que Samanta se sentira mal a ponto de ir até uma farmácia, com desconfiança e comprar um teste de gravidez. Ela estava grávida de Cristiano, sua mãe acabara descobrindo tudo. Na manhã seguinte a ligação dela, ela estaria a caminho de uma clínica clandestina para a realização de um aborto ilegal.