As nuvens escuras encobriram o sol, dando a impressão que a noite havia chegado mais cedo. A janela do quarto 86 estava salpicada de pequenas gotas de chuva. As flores continuavam murchas, dando um toque mórbido ao ambiente.
-as pessoas costumam ficar apavoradas quando estão perto da morte- Cristiano quebrou o silêncio. Sua voz era fraca, uma mistura de sussuro com murmuração -eu me sinto em paz, e talvez você não goste de saber disso.
Thiago, que estava envolto em pensamentos do passado. Franziu o cenho ao ouvir aquilo.
-oque você quer dizer com isso?- perguntou.
-você queria me ver apavorado, com medo, suplicando perdão, e isso não vai acontecer.
-por mais louco que seja, você já sofreu bastante, mesmo eu pensando que isso não é nada comparado ao que você me fez passar.
-você me odeia ?.
-talvez ódio seja só uma parte do que eu sinto.
-oque mais você sente.
-pra falar a verdade- Thiago se aproximou, com os olhos cerrados, ignorando o mal cheiro que vinha daquele corpo -eu tenho inveja, a mesma inveja que você teve no passado. Mas não de você, tenho inveja do câncer que comendo você por dentro.
-essa doeu- Critiano sorriu, ou melhor, fez uma careta.
-eu queria ter o poder dessa doença, eu queria matar você lentamente, fazer você perder tudo que um dia amou.
-eu nunca amei.
-oque ?.
-eu nunca amei nada, nem ninguém.
-não importa, você se amava, não passava de um maníaco orgulho, que devia bater punheta olhando o reflexo no espelho.
-desde quando você ficou tão corajoso?.
-isso importa?.
-tem razão- Cristiano tossiu.
Thiago percebeu que sua voz estava mais firme, se sentia leve, sem os pesos que tanto machucavam.
-sabe, desde muito tempo eu precisei ser forte. Todos os dias eu preciso vencer um Cristiano na minha vida, e você não faz ideia do quanto é difícil.
-deve ser.
-continua o mesmo de sempre, mesmo depois de tudo.
-não tive ninguém que me ajudasse, que puxasse minha orelha, acho que tem haver com a educação que recebemos na infância. E isso me fez uma pessoa ruim, eu não sei oque é uma família de verdade e nunca terei o privilégio de saber.
-você tá alucinando.
-apenas sendo sincero. Eu não sinto nada por você Thiago, desde que entrou aqui no quarto. Jurei que sentiria arrependimento, ou até mesmo vergonha por tudo que eu tinha feito. Mas eu só continuo sentindo o mesmo nojo que eu sentia, por veados como você.
-você tá querendo me deixar surpreso ?, eu já sabia oque esperar.
-que bom.
-então por que me chamou até aqui.
-precisava que você terminasse o serviço, achei que seria justo da minha parte, te dar a chance de acabar com tudo.
-você queria que eu te matasse?.
-sim, talvez se sinta melhor.
Thiago deu um passo pra trás, teve a sensação que iria colocar o almoço pra fora a qualquer momento. Matá-lo?, que tipo de sádico pediria isso alguém, estando tão perto da morte ?.
Sua respiração estava pesada, sentiu o ar denso, carregado de uma energia negativa. O suor frio começava a cobrir seu corpo.
-eu jamais faria isso seu filho da puta. Ainda me resta algo de bom, eu ainda tenho humanidade- sua voz estava trêmula e os olhos estavam cheios de água -eu nunca faria oque você fez, eu jamais seria igual a você. Seu covarde, assassino, psicopata.
Cristiano abriu um sorriso enquanto encarava o mais novo, os dentes amerelos amostra, lhe davam uma aparência esquelética. Ele continuou em silêncio.
-você tirou uma parte de mim, você acabou com a vida de alguém muito especial, e isso não vai ter volta, não há preço que pague de Natanael. Precisou um câncer falar pra você que talvez suas ações estivessem erradas? Eu...o...amava... -Thiago desabou, sentiu seu peito apertado, e as lágrimas rolaram pelo seu rosto magro sem cessar.
Cristiano se sentiu zonzo, a quarto a sua volta estava girando, a temperatura parecia aumentar e diminuir drasticamente. Um forte tremor se sucedeu e tudo ficou escuro, em silêncio.