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Aquele tarde de domingo fria e chuvosa, a área oncológica do hospital, enfermeiras com rostos cansados, e o quarto de número 86. Tudo parecia perfeitamente desconectado na mente de Thiago. Que se pegou pensando mais uma vez a razão de estar ali, e não conseguia elaborar uma resposta clara o suficiente.
Certo, se você conhece algum conhecido que está diagnosticado com um doença terminal, com pouco tempo de vida. E esse seu conhecido te chama para uma despedida, é quase inimaginável, se recusar o pedido. Contudo se tratava de alguém, no qual Thiago sentia apenas sentimentos ruins. O homem que estava deitado na cama, com aparência horrível e pesando menos que sessenta quilos. Tinha lhe causado um dano irreparável, uma perda que lhe assombraria pelo resto da vida.

-Thiago?.
-ah, oi !- Ele balançou a cabeça, espanando os pensamentos. Retirou as mãos do bolso e se aproximou lentamente.
-talvez seja pedir muito, você já fez muito vindo aqui- Cristiano fechou os olhos. Talvez usar todos os seus sentidos fosse doloroso demais -você poderia pegar minha vitamina, aquela do lado do jarro de flores- queria ter apontado na direção da mesinha. Mas oque conseguiu, foi apenas uma leve inclinação de cabeça -eu preciso tomar de hora em hora, já que não tenho mais forças para tomar sol.
Thiago nem sequer tentou responder. Foi direto até a mesinha. E ao lado do vaso, um único e pequeno frasco branco, com tampa azul estava a vista. Na lateral, em letras grandes dizia "suplemento de vitamina D" junto com o nome da empresa farmacêutica que fornecia.
-é o terceiro fraco só nesse mês- Cristiano fez uma careta -já nem sinto mais o gosto.
-deve ser horrível mesmo- Thiago pegou o frasco -você consegue tomar sozinho ?.
-sim, sim, eles são comestíveis, se desmancham legal.
-certo.
-só precisa colocar aqui, três comprimidos.
Nesse momento, Cristiano abriu a boca e mostrou um conjunto de dentes amarelos e uma língua extremamente esbranquiçada, seca. Thiago sentiu um cheiro ruim, quase a um vapor que vinha dos esgotos no inverno. Não podia existir tal odor vindo da boca de alguém. Ele pensou, por estar bem próximo do corpo, que está definhando, talvez esse seja o motivo, e tinha razão.
Ele queria ter recusado, e talvez sua mente tivesse recusado sim. Mas não foi oque aconteceu. Com certa lentidão, tentando conter os tremores. Ele abriu o frasco e retirou três comprimidos brancos. Sua mão estava começando a transpirar, precisava ser rápido.
Ele colocou os comprimidos, quase os jogou na boca dele, com una velocidade incrível. Dando sorte por não derruba-los. A temperatura esquentou novamente seu corpo quando ele se afastou, esteva mais que na hora de sair daquele quarto.
Cristiano fechou a boca. E como uma criança quando recebe balas de menta, ele começou a chupar os comprimidos e, sendo ruim ou bom o gosto, ele não demonstrava nenhuma dificuldade ou prazer naquilo.
-você não quer um pouco de água?- Thiago perguntou enquanto esfregava o pescoço.
Cristiano balançou a cabeça lentamente, de um lado para o outro. Cerca de três minutos se sucederam em completo silêncio. Não apenas naquele quarto em que os dois estavam, mas parecia que o hospital inteiro, toda cidade de Monte Cruz, o mundo, haviam se calado.

                     

Quarto 86Onde histórias criam vida. Descubra agora