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A cachoeira de Monte Cruz, ficava afastada do centro da cidade, no alto das enormes montanhas que cercavam o município. Quando a moto de Natanael parou sobre aquela estrada de pedra, Thiago percebeu o quão agradável estava aquela noite, demorou alguns segundos para soltar o corpo do mais velho e descer da garupa.
-você trazia os outros namorados aqui?.
-olha, não vai estragar a nossa noite que mal começou- falou Natanael com seu sorriso cativante, enquanto desligava a moto. O silêncio diminuiu, restando apenas o barulho da cachoeira, que se encontrava a uns cinquenta metros dali.
Thiago estava com um macacão jeans, e com uma blusa branca. Havia comprado especialmente para esse momento. Seu cabelo estava solto, e batia nos ombros. Usou o perfume floral de sua mãe, depois de horas implorando para mesma. E agora estava se sentindo elegante, lindo e para si mesmo, e lógico, para seu motorista favorito.
Natanael estava com uma camisa florida de botões, igual os turistas quando visitavam o Hawaii. Calça jeans folgada e um tênis de molas branco, O retrato dos anos 90. Usava um perfume amadeirado e uma corrente prateada em volta do pescoço.
-antes de mais nada, eu queria que você ouvisse uma coisa.
-ouvir ?- perguntou Thiago. Ambos de frente um para outro.
-sim- o moreno tirou do bolso de traz, bem protegido por uma capinha de pano.
-oque é isso ?
-um walkman.
-você trouxe isso pra mim?, você sabe que não gosto muito de músicas.
-se você for paciente meu bem- Natanael retirou da proteção -tudo será explicado- enquanto falava, ele conectou os fones na entrada correta -quero que você escute uma música, eu lembrei de você quando ouvi na rádio mais cedo.
Sem querer parecer desesperado, e morrendo de amores pelo garoto a sua frente, Thiago apenas balançou a cabeça.
-espero que goste- o mais velho se aproximou, colocou os fones em Thiago e lhe seu um breve beijo. Enquanto a luz do luar era a única testemunha do casal. Natanael apertou o botão do "play" e observou atentamente a reação do rapaz de macacão em sua frente.

At last
Enfim

My love has come along
Meu amor chegou

My lonely days are over
Meus dias solitários chegaram ao fim

And life is like a song
E a vida é como uma canção

Ohh yeah yeah
At last
Enfim

The skies above are blue
O céu está azul.

My heart was wrapped up in clovers
Meu coração embrulhado em trevos da sorte

The night I looked at you
Na noite em que eu olhei pra você

Natanael talvez não esperasse, mas a reação havia sido bem diferente. Thiago estava lacrimejando, seu rosto estava molhado e vermelho. E antes que o mais novo pudesse encolher o rosto. Nat o resgatou com um abraço forte.
-me desculpa Natanael, eu não sei oque está acontecendo comigo, eu simplesmente comecei a chorar, essa música...
-shiu- o moreno sussurrou, deixando o abraço ainda mais apertado -você não fez nada, então não precisa se desculpar- sua voz era acolhedora e reconfortante.
-eu me sinto tão bem com você, que as vezes acho que estou vivendo um sonho, eu tenho muito medo de acordar- sua voz era abafada por estar com o rosto colado no peitoral de Natanael. O medo e a insegurança iam se dissipando aos poucos, e dando lugar a paz, e o conforto que sempre sentia quando estavam juntos.
-acho que esse sonho é a vida real.
-você é melhor coisa que me aconteceu.
-você também querido.
-Nat?.
-oque foi?.
-por que essa música?.
-é meu pedido de desculpas pra você. Eu sei como as pessoas te tratam na escola, eu sei oque as pessoas falam de você, até mesmo os meus amigos. Por mais que eu brigue com todos eles, eu me sinto um covarde.
-não.
-deixa eu terminar. Eu poderia te assumir pra todo mundo, e oque tem nisso ?. As pessoas precisam cuidar de suas vidas.
-você sabe que não é tão simples assim Nat, seu pai é bem rigoroso.
-preconceituoso.
-é.
-um preto que sofre racismo desde que nasceu, tem um filho preto e gay, e se torna preconceituoso contra os gays.
-confesso que minha cabeça doeu agora.
Os dois sorriram sem desfazer o abraço.
-só quero que você saiba, oque a gente tem é real, que eu não estou te usando e nem nada do tipo. Quero terminar logo esses estudos e te levar pra longe dessa cidade podre.
Thiago sempre que se imaginava num relacionamento, se colocava no papel do parceiro que se humilharia pela outra pessoa, que seria cercado por inseguranças e medos, criaria uma dependência emocional até que tudo desmoronasse.
E agora estava sendo amado de uma forma, que jamais sonhou em merecer. Um homem gentil, carinhoso, lindo, e perdidamente apaixonado por ele.
-vamos fazer dar certo- disse Thiago.
-promete?.
-claro que sim, eu te amo Nat.
-eu também amo você Thiago.

Quarto 86Onde histórias criam vida. Descubra agora