Se afaste

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Satoru observou pela sua janela quando seu ex chefe estacionou, sabia que em breve ele entraria na sua sala, só não esperava que o mesmo esquecesse por completo qualquer resquício de boa educação e entrasse sem nem ao menos bater.

― Espero que não esteja ocupado com nenhuma funcionária. ― Debochou enquanto adentrava por completo o local.

― Não sou mais o mesmo, você já deveria entender isso, Yoshinobu.

Após passar a mão em sua camisa para ajeitá-la, Gojo caminhou até o senhor para cumprimenta-lo com um breve abraço e um aperto de mãos. Estava praticamente igual a última vez que o viu, com exceção da falta do cheiro de cigarro, restando apenas um perfume forte.

― E então? Virou adulto ou Kento ainda precisa cuidar de você? ― Usando a bengala de apoio ele conseguiu sentar-se, sinalizando com o indicador para que Satoru ocupasse a cadeira ao seu lado.

― Estamos dividindo bem as funções, somos bons sócios. ― Apesar de tentar se manter confiante, sentia-se inquieto devido as perguntas.

Yoshinobu parecia não depositar nada de sua confiança em Gojo, na verdade, acreditava com todas as forças que aquele escritório só se mantinha me pé porque Kento estava lá. Não era novidade nenhum desses pensamentos do mais velho, afinal ele fazia questão de deixar isso claro desde que eles eram apenas seus alunos de direito administrativo.

A conversa entre os dois não durou mais que meia hora, nunca foram muito próximos então sempre acabava por se tornar um torturante interrogatório sobre lucros e como andavam os processos, fazia questão de pedir uma média de quantos casos eles ganhavam por ano, como que buscando alguma coisa que o permitisse apontar defeitos. Pesando sempre mais para o lado de Satoru, claro.

Impaciente, Gojo enviou discretamente uma mensagem para Kento pedindo ajuda, sabia que ele conseguiria sustentar muito mais uma conversa e ainda seria capaz de gostar de gastar seu tempo com isso. Não demorou até que a porta fosse aberta novamente e a figura loira entrasse. O ex chefe logo voltou a ficar em pé para recebê-lo.

― Finalmente! Pensei que havia esquecido de mim. ― Disse ele com um breve toque de animação na voz.

― Jamais. Estava esperando por você, professor.

Satoru aproveitou que o senhor estava de costas para poder revirar os olhos como forma de desprezo, Nanami franziu a testa ao assisti-lo quase bufar de tédio.

― Estava comentando com Satoru como sempre achei que isso não fosse durar, mas já fazem cinco anos que isso se mantém de pé.

― Você diz isso toda vez que nos visita. ― Satoru disse enquanto encostava-se na mesa, permitindo que seu sócio sentasse em seu lugar.

― No início você sabe que foi complicado, mas conseguimos nos acertar. ― Kento tentava ser gentil, Gojo sabia que ele devia muito ao seu primeiro e único chefe, mas ainda assim não conseguia gostar desses momentos.

― Teria sido mais fácil se Satoru prestasse atenção em outras coisas além de jovens universitárias em seu tempo de faculdade. ― A risada escapou junto de uma tosse do mais velho. ― Você ainda é assim? Porque da última vez que estive aqui tenho certeza de que você saía com a secretária.

Kento e Satoru se olharam um pouco constrangidos, sabiam que a pergunta era uma brincadeira, entretanto acabava por ser uma verdade. Ele ainda saía com mulheres de seu trabalho, o que o fez sentir-se verdadeiramente desconfortável.

― Já falei que não sou mais o mesmo. ― Respondeu cruzando os braços. ― Podemos falar de algo que realmente interessa?

Depois de conseguir desviar de mais possíveis perguntas indiscretas, ele conquistou seu objetivo que era diminuir sua interação na conversa. A forma como sua conduta era apontada o fazia questionar se realmente havia amadurecido nesses anos de trabalho, não pensava estar fazendo nada de errado, mas sentia como se isso o tornasse inferior.

***

Iori organizava alguns processos em sua mesa quando viu os três homens saindo da sala de Satoru, já estava perto do horário de almoço e ela presumiu que talvez eles fossem juntos a algum restaurante. Enquanto passavam por ela, o homem de mais idade fez questão de soltar um infeliz e desnecessário comentário:

― Ei mocinha, você é muito bonita. ― Iori sentiu as bochechas aquecerem com o elogio. ― É bom tomar cuidado com as garras desse aqui. ― Completou apontando para Satoru e soltando uma risada.

Seu rosto paralisou sem muita expressão, algo em seu estômago revirou e ela sentiu nojo do comentário. Notou que Kento havia dito alguma coisa para o idoso como forma de reprovação e viu também que Satoru parecia envergonhado, e, antes de lhe dar as costas e partir até a saída ele soltou um "desculpe" que apesar de não ter sido escutado pode ser entendido.

Quando seu intervalo de almoço chegou ela foi até um restaurante mais distante, não estava com muita fome pois os ocorridos da manhã haviam atrapalhado seu sossego. De fato, acabara por ter uma noite com Gojo e, todavia, esse não era o motivo de sua perturbação. Estava mais chateada com o fato de que isso a fazia parecer uma piada, afinal, quantas mais não haviam feito isso? Aparentemente esse era o hobby dele, sair com as novas funcionárias. Não que quisesse algo intenso e profundo, mas definitivamente ser um troféu não era algo que ela almejava. Pensou em mandar mensagem para Mei, mas ela não entenderia, na verdade a mesma até gostava de fazer isso com alguns caras, seguiu então desfrutando de seu horário de almoço em silêncio, questionando se talvez não fosse melhor apenas tentar agir como se nada disso tivesse acontecido. Afinal, adultos sabem separar as coisas, só precisava não pensar nos dias anteriores.

Os homens demoraram a retornar, tanto que todos os demais já se encontravam envolvidos em seus papéis e suas preocupações particulares. Iori mexia em alguns arquivos de uma pequena sala em busca de um caso que usaria de material para seu trabalho final da faculdade, estava tão envolvida na pesquisa e tentando ignorar o cheiro de pó no ambiente que involuntariamente seu corpo reagiu ao pequeno susto que levou ao ouvir a voz de Satoru vindo da porta.

― Posso ajudar?

― Não está ocupado com seu ex chefe? ― Questionou ela erguendo uma sobrancelha.

― Você viu o perfil dele, acha mesmo que quero ficar uma tarde toda o suportando?

Ele caminhou até um pequeno armário e retirou de uma gaveta duas pastas grandes. Começou a vasculhar entre as folhas de forma despreocupada.

― Do que precisa? ― Disse ainda passeando os dedos pelos papéis.

― Não preciso da sua ajuda. ― Iori não queria ter soado tão grosseira, mas não conseguiu controlar a voz. Ainda estava chateada por conta do que ouvira.

― Ei, tá tudo bem? ― Satoru largou o que estava fazendo e foi em sua direção, afastou delicadamente alguns dos fios escuros do rosto da jovem. ― Foi por conta do que ele disse, não foi?

― Entendo as razões de você ter se irritado quando descobriu que ele viria. Desagradável, não? ― Afastou a mão do homem e deu alguns passos para trás até encostar em uma estante que ocupava um terço da sala. ― De qualquer forma ele não mentiu. ― Disse e tentou forçar uma risada.

― O que quer dizer com isso?

― Nada, não se preocupe em me ajudar. ― Apontou então para as pastas em cima do armário. ― Eu me viro sozinha.

Satoru permaneceu com a face como se fosse uma interrogação, seus olhos a observavam tentando entender a mudança de comportamento, acreditava ser apenas pelo ocorrido de antes, sabia que havia sido um péssimo comentário da parte de Yoshinobu.

― Me desculpe por ele, infelizmente vamos ter que aturá-lo até sexta. ― Já estava do lado de fora quando prosseguiu. ― Espero que ele não diga mais nada.

Utahime retornou a mexer nos papéis, sentiu-se mal pela maneira grosseira como havia falado, mas foi sua forma de iniciar o processo de afastamento de Gojo. Não gostava quando homens a faziam se sentir como algo tão descartável, sabia que talvez parte desse incômodo fosse gerado por ela mesma ao criar uma certa idealização dele no momento em que o conheceu. Agora não havia mais espaço para esses pensamentos, Nanami a avisou assim que chegou pela manhã: o que aconteceu não deve ficar se repetindo. 

Namorada de MentirinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora