Mari
Durante a noite passada eu havia esquecido completamente dos problemas, das pendências, e das conversas sóbrias que precisavam acontecer. Eu não estava bêbada, Bel sim, eu acordei antes dela, a encarei dormindo desajeitadamente, com o cabelo emaranhado e com muitas lembranças do quão a noite passada me fez feliz. Depois que ela acordou não a importunei sobre nada, não fiz perguntas e nem briguei, até porque eu estava imersa demais numa felicidade que eu nem sei se é duradoura. Me senti esperançosa quando ela sorriu para mim ao acordar, quando deixou eu pentear e finalizar seus cachinhos, quando me beijou genuinamente como se nada tivesse acontecido nessas últimas semanas.
- Você reparou que a mãe da Ava tá olhando para a Lia parecendo uma obsessora?- Bel me sussurrou do meu lado discretamente
- Não tinha reparado não- olhei discretamente para a direção da loira a minha frente e percebi que Bel tinha razão, e aparentemente Lia também havia percebido, estava mais desconfortável que o normal
Notei que os mais jovens estavam se levantando da mesa e segui a manada.
- Lia, você tá tranquila?- me aproximei da mesma assim que pude
- Estou, por quê?
- Ah, muita gente né, podia te deixar desregulada, algo do tipo- dei um sorriso amarelo
- Essa velha perdeu o cu na sua cara foi?- Bel chegou mais escancarada que nunca, percebi que Luís olhou em nossa direção mas nada disse
- É, eu percebi as encaradas- Lia falou rindo
- Será que ela também queria que a filha dela ficasse com o Isaac?- arregalei os olhos para Bel em tom repreensivo
- Para de falar disso, Isabel
- E será que ela queria que seu belíssimo enteado ficasse com a belíssima Mariana Seixas?
- Provavelmente sim, mas não é isso que ela vai ter- Lia parecia mais descontraída e eu fiquei menos tensa, fiquei com medo da sensibilidade daquele assunto, Bel na verdade queria mesmo era uma oportunidade de me provocar
- Com licença, tô roubando a moça mais bonita- Isaac saiu puxando a mão de Lia antes que ela reagisse e restou somente eu e Bel ali
- Dá para parar de falar como se eu e o Luís tivéssemos algo?
- E não teve? Eu não ligo para o seu passado, Mari- não sabia se era sério ou deboche, mas parecia ser mais a segunda opção
- Não tem necessidade disso, somos apenas amigos, além de que..- pausei e paralisei, eu não iria dizer aquilo
- O que?- ela arqueou a sobrancelha- o que ia dizer?
- Nada, Bel, nada
- Que não temos mais nada? Era isso?- ela sorriu
- Sim e não, eu pensei, não falei, por quê a gente tem sim alguma coisa- a encarei firme- Não é Bel?
- É... Se você diz - ela parecia mais satisfeita
- Inclusive, precisamos conversar- deixei sair o que estava preso na minha garganta
- Concordo- talvez ela fosse dizer mais alguma coisa porém ela olhou para o lado e eu acompanhei o seu olhar vendo que a galera estava reunida na sala, éramos as únicas afastadas
- É melhor a gente se enturmar?- perguntei para ela
- Você quem diz, é a sua casa, seus convidados..
- Não são meus convidados, sua engraçadinha, seriam meus se eu tivesse os convidado, o que não aconteceu..
Dito isso ela me segurou pelo braço e saímos pelos fundos chegando no vasto quintal que dava continuidade ao belo jardim que havia na frente da casa.
- Acho que nunca tinha vindo aqui- ela comentou
- Eu costumava brincar com o Isaac aqui quando criança
- Que gracinha, não consigo imaginar você criança brincando com seu irmão no quintal de casa
- Mas por quê? Eu sou adorável até hoje
- Discordo
- Bel..- semicerrei os olhos
- Você tem cara de que quando era criança era brava, você já deve ter tentado mata-lo aposto
- Quando criança eu não era assim- eu acredito que falei séria demais
- E o que mudou?
- Eu pareço malvada para você?- arqueei uma sobrancelha
- Não, minha querida adorável, eu estava apenas brincando
Fiquei em silêncio encarando aquele lugar e me distraio lembrando dos bons momentos que passei ali, talvez minha maior saudade fosse da mentalidade inocente que só se é possível ter quando criança.
- Mari?- Bel me despertou e eu logo volto meus olhos para ela- Por quê você terminou comigo?
- Medo de você o fazer primeiro
- Mas eu não ia fazer isso- seu rosto se entristeceu, eu acreditava nela
- Desculpa, Bel, eu senti medo, mas também fui orgulhosa..
- Eu sei, eu te conheço, eu te perdôo, mas também te peço desculpas pela covardia
- Covardia?- a encarei confusa
- É... não tive coragem de falar o que estava me incomodando por medo, e aí eu resolvi me afastar para não ter que enfrentar esse momento complicado, isso é ser covarde
- Tá tudo bem agora, não é?- meu corpo estremeceu, afinal o que a incomodava? Eu faria de tudo para que não incomodasse mais, que todo problema desaparecesse
- Sim, Mari- ela tirou o cordão que estava dentro de sua blusa revelando que nossa aliança estava bem ali
Sorri igual boba, e me aproximei e a abracei enfiando meu rosto naquelas madeixas cheirosas que restaram depois dela ter cortado em Chanel, quase decepando todos os cachinhos, mas eles ainda estavam lá, além do mesmo cheirinho adocicado de frutas vermelhas de sempre. Quando vou me afastar enrosco meu piercing do septo em seu cabelo e faço uma expressão de dor, nunca deixa de doer quando algo bate.
- Aí- me afasto com a mão no mesmo rindo
- Você enroscou seu piercing no meu cabelo?- ela também riu
- " Como quando minha mão procura a sua num ato de desespero "- cantarolo Faminta da Bia Ferreira
Bel me olhou meio torto com um meio sorriso buscando na cabeça o restante da música, era claro que ela conhecia.
- "Só porque eu quero te sentir mais perto, eu me alimento de pequenos gestos"- cantamos juntas e em seguida caímos na risada
- Essa música é tão linda- concordo com a cabeça ao ouvi-la
- É a nossa cara, se você parar para pensar- ela continua
- Tem uma parte que ela fala algo como " Os seus cachos enrolados nos meus dreads " lembra a gente na adolescência, seus cachos eram grandes e eu usava dreads- Automaticamente vem a minha mente algumas coisas que vivemos quando mais jovens, era tão natural e agradável, não haviam tantas preocupações e problemas como agora
- Eu definitivamente quero ter mais tempo para nos dedicar mais músicas, meu amor- ela acariciou meu rosto e eu prontamente me inclinei para beijá-la, assim como o de manhã mais cedo, era tão genuíno, parecia uma cura para tudo de ruim que havia se formado, não tinha malícia, eram apenas eu, Isabel, o Jardim e as borboletas do meu estômago
- Agora por favor me fala, o que você precisa que eu mude para que as coisas fiquem melhor?- era difícil pra mim parecer honesta e aberta quanto aquilo, sempre fui tão difícil nesse quesito, nunca abri mão de nada por ninguém, e fazer aquilo por ela era tão grandioso, mas eu também acreditava que o que ela dissesse seria bom para mim, não só para nós duas, eu confiava de olhos fechados na Bel
Ela suspirou antes de buscar as palavras para começar a falar.
- Mari, eu me sentia muito nervosa com tudo, entende? Até coisas básicas eu ficava tensa, me sentia pressionada para falar com você, para me impor, essas coisas, e eu realmente não sei se isso era somente culpa minha, ou se você e suas reações me davam medo- ela abaixou a cabeça e eu acariciei a palma de sua mão
- Desculpa, Bel, eu não sabia que te deixava apreensiva, eu não fazia idéia, por favor desc..
Ela me interrompeu com uma série de beijos que me arrancou um sorrisinho.
- Tá desculpada, eu não sinto mais isso
- Sério? Não sente mesmo?- agora quem estava nervosa era eu
- Eu estou conversando com você, não estou? Me sinto confiante, e sei que não tenho nada a perder. Eu tenho a sensação que algo mudou em você também nessas últimas semanas... talvez de fato esse tempo individual tenha sido necessário, mesmo que extremamente sofrido pelo menos pra mim
- Claro que pra mim também foi, eu senti tanto sua falta, estava em abstinência de você.
- O que quer dizer? Que você é viciada em mim, hein?- ela deu um sorrisinho malicioso
- Não sai do assunto, Bel- ri tentando não me atracar com ela ali mesmo
- Bem, eu não tenho muitas queixas de você agora, mas queria que você pensasse em você mais individualmente também, tipo metas, empregos, talvez faculdade, o que você quer para a vida, sabe? Eu já tenho esse meu lado individual desenvolvido e me preocupo que você até hoje não sabe o seu, eu sei que esse assunto é delicado, mas eu não gostaria de me casar com alguém que..
- Que fosse uma vagabunda né?- eu falei rindo
- Mari ...
- Eu entendo você, Bel, está coberta de razão, eu era muito confusa até um tempo atrás, mas a chave virou em algum momento eu só não tive oportunidade de falar com você sobre, mas eu tenho muito interesse em diversas áreas na empresa do meu pai, mas ele não acredita na minha capacidade, sabe? Eu não entendo... O Isaac, ele nem quer estar lá e meu pai entrega tudo de bandeja para ele, ao mesmo tempo que nem se importa se ele quer ou não fazer aquilo
- Eu vejo isso, entendo completamente, mas queria que soubesse que eu confio em você, você pode ser tudo, até melhor que seu pai, dona de tudo. Eu acredito fielmente em você
- Bel, eu já falei hoje que eu sou apaixonada por você?
- Acho que não- ela foi abrindo gradualmente um sorrisinho até se formar um sorrisão daqueles que comprimem os olhos
- Eu te amo, Céu- novamente nos beijamos, era incansável minha vontade de sentir aqueles lábios, eu passaria o dia inteiro ali se pudesse
- Céu rima com Bel- ela falou após se afastar
- Céu e Mar, Céu rima com Bel e Mar parece Mari- explico os apelidos que eu mesma quem havia dado a um tempo atrás
- Literalmente nós- ela deu uma risadinha
Sinto os pingos de chuva fininhos caírem em meu rosto.
- Opa, chuva, vamos entrar?- me levanto e Bel também se levanta mas ao invés de me seguir até a porta ela sai correndo e rodopiando aparentemente sentindo a chuva molhar seu corpo
- Isabel- eu já estava com um sorriso gigante no rosto - você é inacreditável
- Vamos tomar banho de chuva, Mari, isso é tão a gente, natureza, paixão e... gripe
- Não se pega gripe na chuva, a gripe é um vírus
- Mas sabe o que a gente pode pegar na chuva?- Ela se aproximou de mim colocando seus braços ao redor do meu pescoço
- O que?- agarrei sua cintura
- uma a outra, eu pego você e você me pega- ela falou quase num sussurro e a chuva intensificou num segundo enquanto nos beijávamos na chuva, o que definitivamente era digno de um filme
- Por quê vocês são assim hein?- eu quase não ouvi, mas reconheci a voz familiar de Lia da porta
Olhei na direção e vi ela rindo de nós e um Zac de braços cruzados. Olhei para Bel e ela parecia estar pensando o mesmo que eu, corremos em direção a porta e eu agarrei o Isaac o molhando pois eu já estava com a roupa e cabelos completamente encharcados e o puxei para fora, Bel fez o mesmo com Lia que travou, diferente do Isaac que quase entrou numa luta corporal comigo.
- Sua filha da mãe, se eu estivesse com a peça externa podia queimar
- Tomar chuva é tão bom, aproveitem, que jajá para- Ela falou enquanto sinalizava toda eufórica, ela estava tão linda, com um brilho surreal de perfeito e contagiante nos olhos, enquanto por fora parecia um pintinho molhado
- Eu tô com frio, isso sim- o chatoZac falou
Observamos de relance a Lia sentindo a chuva nas mãos paradinha, como uma criança curiosa fazendo o Isaac desmanchar completamente sua pose de machão chato.
- Que gracinha- falei para Bel e a encarei vendo seus olhos brilharem novamente, e em questão de segundos Bel novamente estava em meus braços enquanto Lia e Isaac pareciam brincar de pega pega, agora todos nós estávamos com sorrisos no rosto, e o meu pertencia quase que completamente a uma certa garota chamada Maria Isabel.
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Ruído Branco
RomanceOs pensamentos acelerados se assemelham a uma avenida cheia de carros barulhentos. Tudo que um mundo caótico precisa é de um pouco de paz. E tudo que Lia e Isaac querem é silêncio. Segunda temporada de Modo Silencioso