8. E no Fim, Todos Sabiam

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Depois de tirar Noelle do salão em que ocorria a cerimônia de condecoração, Asta sentiu-se grato por terem lhes disponibilizado um quarto, onde Owen examinou a jovem, longe da atenção adicional que receberiam se fossem até a enfermaria do palácio ou ao hospital.
Não levou muito tempo para que Owen terminasse de curar a garota da realeza, visto que Mimosa havia feito a maior parte do trabalho. Mas o que fez com que Noelle realmente respirasse aliviada, foi a confirmação de que o bebê estava bem, embora o curandeiro, em seguida, tivesse recomendado que ela procurasse um especialista para acompanhar a gestação.
Após proferir felicitações discretas, o mago curandeiro saiu do quarto, o que deixou o casal livre para cuidar do elefante na sala. Ao menos era o que Asta pretendia, mas a jovem de cabelos prateados parecia ter se fechado, tão logo ficaram sozinhos.
— Então... — Asta falou, tentando chamar a atenção de Noelle que insistia em olhar para o lado oposto, em direção à janela. — Quando foi que isso aconteceu?
— Provavelmente no dia que "as coisas meio que vazaram" — respondeu ela em tom ácido, ainda sem olhar para ele, porém, sinalizando as aspas com os dedos.
— Naquela noite você disse que podia resolver isso — lembrou, sentindo-se confuso e sobrecarregado.
Só então, Noelle se virou para ele e o encarou de maneira fulminante com os olhos róseos. O rapaz não conseguiu evitar de se encolher.
— Está dizendo que isso é minha culpa? — o timbre dela parecia tanto irritado quanto magoado.
— Não! — apressou-se em negar. — Eu só não esperava por isso! — tentou justificar.
— Nem eu! — retrucou. — Você nunca vai encontrar uma gravidez fora do casamento nos planos de um membro da família real! — continuou, no mesmo tom hostil. — Foi por isso que eu...
— Que você...? — Asta incentivou, com paciência.
— Que eu busquei meios alternativos para tentar resolver — admitiu. — Eu sei que eu deveria ter procurado um curandeiro no hospital, ou um boticário, mas eu estava com tanta vergonha que acabei buscando ajuda no mercado negro — contou, caindo em prantos, o que fez com que o outro arregalasse os olhos e em seguida se remexesse em desespero.
— Oh céus, não, não chora! — pediu o rapaz, tentando se aproximar da namorada, mas sendo empurrado de volta por ela.
— É tudo minha culpa! Eu não devia ter confiado naquela velha estranha nem na poção duvidosa dela!!! — a garota de cabelos prateados continuou, chorando ruidosamente.
— Noelle, não é sua culpa! É preciso dois para fazer uma criança — Asta argumentou, tentando novamente se aproximar. — Foi um acidente, ok? Para de se culpar — pediu, finalmente obtendo sucesso em se sentar na cama ao lado dela e abraçá-la.
A jovem da realeza escondeu o rosto no peito dele, tal como uma criança aflita.
Asta aguardou que o pranto da guerreira diminuísse, para que pudesse continuar abordando os pontos importantes.
— Mimosa e Owen disseram que você está com cerca de quatro meses agora — lembrou. — E a julgar pelo seu pedido de permanecer no serviço burocrático após aquele incidente em missão, imagino que naquela época você já sabia — deduziu, tentando afastar o pensamento do que teria acontecido se Noelle realmente tivesse sido atingida pela lâmina errante do cavaleiro insubordinado. — Por que não me contou? — indagou, tentando conter a nota de mágoa na própria voz.
A jovem se encolheu ainda mais contra ele, como se tivesse sido descoberta em uma travessura.
— Eu tentei algumas vezes, mas sempre desistia por não saber como dizer — justificou.
— Um "Asta, estou grávida!" teria bastado — comentou ele, afinando a voz para imitá-la.
Noelle riu levemente com a imitação.
— Eu... Tive medo — admitiu. — De repente, eu descobri que estava grávida e apesar do pânico, percebi que eu queria a criança. Mas eu não sabia como esse bebê se encaixaria nos seus planos de vida — alegou. — Você quer ser o Rei Mago. Quer proteger um reino inteiro e acabar com a segregação social injusta. E trabalha tão duro para isso, mais que ninguém. Como eu poderia colocar mais uma responsabilidade nas suas costas. Uma que você nem pediu? — desabafou. — Quantos Reis magos tiveram família? Quantos tiveram filhos? Honestamente, embora tenhamos falado sobre o futuro aqui e ali, eu nunca tive certeza se realmente conseguiríamos ser mais algum dia. Eu meio que esperava que você se daria conta, em algum momento, que eu ou uma família não cabemos em seu caminho — emendou. — Por isso, eu só... Acho que eu inconscientemente fui adiando e deixando para contar a notícia, apenas quando fosse tarde demais.
Asta afastou-a um pouco, para que pudesse olhá-la nos olhos, e o que Noelle encontrou nas íris verdes foi firmeza e repreensão. A jovem não pôde evitar de engolir em seco.
— Em primeiro lugar, você não estaria colocando responsabilidade nenhuma em meus ombros, porque eu sou tão responsável por isso quanto você — reiterou. — E segundo: eu não demonstrei o suficiente o quanto eu te amo? — perguntou.
— Asta... — começou ela, mas o rapaz a interrompeu.
— Tudo bem que eu talvez não tivesse a real noção do que é a responsabilidade de ser um Rei Mago, mas ter uma família sempre esteve nos meus planos também. Eu vivia pedindo a Irmã Lilly em casamento, lembra? — argumentou.
— Propor matrimônio uma freira não parece o método mais eficaz de conseguir uma família para mim — disse Noelle, de maneira sarcástica.
Asta não pôde evitar de coçar a nuca, constrangido, mas logo retomou a postura séria.
— E adiar contar até que fosse tarde demais? Francamente, o que achou que eu pediria a você? — ele parecia indignado. — Eu cresci praticamente em um orfanato! — acrescentou com vigor, no entanto, se arrependeu de sua intensidade no momento em que percebeu que a outra novamente começou a soluçar baixinho.
— Eu... Não podia evitar que essas coisas passassem pela minha cabeça! — engrolou ela, em meio ao choro. — No meu desespero, só assumi o pior.
— Me desculpa, não chora — o rapaz pediu, abraçando-a novamente. — Eu sou um idiota. Eu deveria ter pensado que esse peso é maior para você e que você estava sobrecarregada. Não é o momento para fazer discurso — censurou-se.
— Tudo bem — falou ela. — Acho que eu precisava dessa garantia, de qualquer maneira. Garantia que você quer a criança — esclareceu, só então percebendo que não era exatamente isso que ele havia dito. — Você quer, não quer? — perguntou, insegura.
— Noelle — Asta retomou o tom sério. — Eu cresci órfão, e fiz dos meus amigos minha família. Nunca, nenhuma vez, eu pensei em deixá-los para trás quando eu me tornar o Rei Mago ou em qualquer outro dia — afirmou. — Por que eu faria isso com você ou com o nosso filho? — acrescentou, suavemente.
Com as palavras do rapaz, a garota não pôde evitar abrir o berreiro novamente, enquanto se agarrava às vestes dele, puxando-o para perto.
— Oh céus! Eu falei algo errado de novo? — o rapaz parecia desesperado, mas ela negou em um murmúrio.
— Grávidas são emotivas. Melhor se acostumar com isso, temos cinco meses pela frente — choramingou.
— Você está ficando com a parte mais difícil, então acho que posso lidar com isso — acariciando o topo da cabeça da namorada, declarou o usuário da antimagia, embora seu timbre fosse incerto.
Após alguns minutos, Asta afastou-se novamente, para que pudesse colocar ambas as mãos no ventre de Noelle.
— Eu pensei em mencionar que você está mais pançudinha, mas temia pela minha vida — contou, em tom brincalhão, esfregando as mãos para cima e para baixo sobre o tecido alvo do vestido.
— Isso é tão anti-clímax! — reclamou ela, dando um tabefe no rapaz.
— Eles parecem normais agora! — a voz de Vanessa fez com que o casal olhasse para a porta, onde a bruxa estava parada, acenando para que alguém entrasse.
Logo, Asta e Noelle descobriram que  o "alguém" se tratava do resto do esquadrão, o excesso de pessoas preenchendo o quarto desconfortavelmente.
— Melhor mantê-la calma, garoto — Yami alertou. — O tranças não veio porque ainda está chocado demais com a notícia...
— Provavelmente porque o senhor o chamou de "titio" enquanto ria aos berros — interrompendo-o, Finral pontuou.
— ...Mas duvido que ficará longe muito tempo se escutar a irmãzinha dele em prantos — ignorando a interrupção, o capitão concluiu.
— Oh céus, vocês me ouviram chorar?  E o resto da conversa? — a jovem de cabelos prateados indagou, envergonhada.
— Querida, isso é o de menos perto de tudo que nós realmente vimos e ouvimos desde que você e Asta começaram a namorar — Vanessa respondeu, fazendo com que Noelle escondesse o rosto nas mãos.
— Então vocês sabiam — Asta parecia desconcertado, mas não chocado.
— Vocês não eram exatamente um exemplo de decoro e discrição — o vice-capitão Nacht observou.
— O que ele quis dizer é que não tinha como não saber, já que vocês dois não conseguiam manter as línguas fora da boca um do outro — Zora acrescentou com descaso, provocando um coro de risadas que só aumentou o constrangimento dos dois jovens protagonistas daquela situação, Noelle enterrando os rosto ainda mais nas mãos e Asta coçando a própria nuca de maneira desconcertada.
— Eu disse — Liebe gabou-se, encarando seu portador e a jovem da realeza com diversão.
— Ninguém queria atrapalhar o clima obrigando vocês a darem explicações, então simplesmente deixamos que nos contassem quando se sentissem confortáveis — Finral tentou amenizar.
— Claro, deveríamos ter previsto que, se tratando do Asta, a merda seria jogada no ventilador em algum momento — Magna, no entanto, pouco se importava em aumentar o constrangimento dos colegas, e suas palavras vulgares fizeram com que Noelle, que ainda escondia o rosto, gemesse de constrangimento.
— A confusão da revelação foi quase tão divertida quanto o ataque de antes — Luck apontou, seu senso distorcido de lazer se sobressaindo.
— Nunca pensei que sentir vergonha alheia fosse tão ruim quanto sentir vergonha de si mesmo — Grey que estava ao pé da cama e também escondia o rosto com as mãos, observou.
— Você não está ajudando — Gouche alertou.
— Acho que o que todos querem dizer é, parabéns — Nero sintetizou, sendo acompanhada de um resmungo coletivo de concordância, o qual, no entanto, destoava dos murmúrios frenéticos que Gordon emitia desde que chegara ali.
— Sim, sim, ninguém esperava por isso, mas os parabéns estão em ordem — o capitão declarou. — Eu pensei que Finral também tinha te ensinado o que se deve fazer para evitar incidentes depois de conquistar a garota — refletiu, sendo repreendido por Vanessa, que apontou sua fala rude.
— Nós usamos proteção, ok? — Asta defendeu-se, ao passo que Noelle apenas choramingava de vergonha. — Inclusive na noite em que aconteceu, tinha acabado as que eu deixava no meu quarto, mas eu sempre mantenho uma no bolso — contou, orgulhoso, e só então a garota de cabelos prateados descobriu o rosto para encará-lo.
— Você quer dizer, os bolsos das roupas que sempre ficam um trapo quando você batalha? — indagou, em timbre perigoso. — Diz que você as trocava quando isso acontecia — exigiu, sem ignorar que alguns de seus colegas de esquadrão soltaram uma interjeição de compreensão.
Asta engoliu em seco.
— Eu estava errada! Isso não foi minha culpa! Foi sua! — acusou Noelle, apontando para o namorado.
— Isso não é fato novo, nos já sabíamos que o preservativo tinha rompido! Interessa o motivo? — defendeu-se o rapaz.
— Astrupício! — exclamou a garota, transtornada.
— Melhor a gente ir — decidiu Yami, pronto para se afastar, sem nenhuma vontade de testemunhar aquele tipo de discussão. — Apenas descansem por enquanto. Já estamos cuidando dos caras envolvidos no ataque na cerimônia de condecoração — avisou. — Depois que a poeira abaixar e vocês voltarem para casa, nós conversamos melhor sobre como ficará a dinâmica do esquadrão, agora que a Noelle vale por dois — decidiu, mas suas palavras não pareciam ter sido registradas, visto que Noelle estava fora de si e Asta tentava acalmá-la.
— O príncipe do rango está esperando para falar com você, Asta — apesar disso, avisou  Charmy, referindo-se à Yuno.
— Acho que ele se sentiu intimidado em entrar com essa manada de idiotas que eu mal pude controlar desde que a notícia da gravidez explodiu — resmungou o Capitão, antes de deixar o quarto, sendo seguido pelos demais membros do esquadrão.
— Eu poderia dizer para vocês encontrarem um quarto, mas parece que já acharam um — Vanessa, sendo a última da fila,  cantarolou, antes de fechar a porta, seu último vislumbre sendo uma Noelle furiosa que  estapeava o namorado, que mal conseguia se defender.
Apesar da privacidade do quarto, os membros do esquadrão ainda conseguiram ouvir nitidamente do corredor o barulho de água esguichando, seguido pelo grito de Asta.

...

É isso. Espero que tenham gostado.
Agora que a fic acabou, quero dizer que há alguns segredos escondidos nela.
Uns mais óbvios, outros bem sutis.
Isso porque, como o esquadrão já sabia do namoro do Asta e da Noelle, desde o início eu
escrevi a fic de modo que depois eu pudesse fazer uma versão pela visão dos outros Touros Negros (mas eu só vou escrever se tiver tempo o inspiração).
Queria saber, alguém reparou?
De qualquer maneira, agradeço a todos que acompanharam a história. O apoio de vocês me encheu de alegria.
Foi uma ótima experiência escrever "Astelle" pela primeira vez, agradeço a todos que fizeram parte disso.
Até mais!

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