Verdade.

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Enquanto estou subindo as escadas, indo em direção a sala de aula, ouço passos apressados logo atrás de mim, mostrando que a pessoa deseja me alcançar. Já com receio de que seja Cam mais uma vez, não me permito olhar para trás.

- Luísa. - a voz de Luci ecoou pelos andares. - Pode parar, por favor? - pediu, enquanto eu seguia caminhando.

Depois do que Cam me disse ontem a noite, estou desconfiada de Luci e decidi que está na hora de encarar essa situação de frente. Paro no meio da escada, me virando para que possa ficar frente a frente com ela.

- Tive uma conversa interessante com o Cam ontem a noite. - digo, esperando alguma reação dela.

- E? - perguntou, sem demonstrar nada.

- Ele sabia coisas sobre mim, Luci. Coisas que eu não havia contado para ninguém.

- E? - repetiu sua pergunta, mas dessa vez parecia não saber sobre o que eu estava falando.

- Alguém deve ter falado para ele. Alguém que leu a minha ficha. - falei, olhando em seus olhos

- Ah, claro. Eu trairia a confiança da minha única amiga aqui dentro, para ajudar um bruto, valentão, de procedência duvidosa, em troca de que? - A cada palavra que Luci diz, começo a me achar uma tola por ter desconfiado dela, desconfiado da única pessoa que me acolheu aqui. - Duas tatuagens e um baseado. - respondeu, irônica.

Luci não teria motivos para me trair e Cam também não parece ser do tipo que tem aliados, e se tivesse, Luci com certeza não seria um dos seus. Parando em frente a nossa sala, espero os alunos saírem e entro, seguida por ela.

- Você leu a minha ficha, não leu? - perguntei.

- Sim. - respondeu, cabisbaixa.

- Então você sabe sobre... - tento achar palavras, mas agora me sinto confusa demais.

- O incêndio? - Luci completou para mim.

- Desde que cheguei, tenho tido visões, Luci. - digo, criando coragem para desabafar pela primeira vez, depois de muito tempo.

- Está tendo uma agora? - perguntou, assustada.

- Não. - digo, balançando a cabeça em negativa. - Tenho medo, Luci. Medo de estar enlouquecendo.

- Isso é bobagem, Luísa. - disse, segurando minhas mãos carinhosamente.

- Não é. - digo, desejando desabafar. - As crianças que moravam comigo, elas só estavam lá, e...

- Calma. - Luci pediu, me puxando para dentro da sala vazia. - Me conta tudo, do começo.

- Nós éramos muito felizes. Por mais que fosse um orfanato, nós éramos muito felizes. Uma certa noite depois do jantar, houve um apagão e eu fiquei responsável por colocar velas e lampiões nos quartos. - digo, tentando segurar o choro ao me lembrar do que aconteceu aquela noite. - De repente havia gritos, fumaça e muito calor... Eu não faço ideia de como consegui sair de lá. - continuei, chorando.

- Você queria que eles morressem? - Luci perguntou, com sua voz doce e calma.

- Não. - respondi em meio a um soluço.

- Salvaria eles se pudesse? - perguntou. Apenas concordei com a cabeça, enquanto controlava minha respiração.

- Não é culpa sua, não precisa se isolar. Você precisa de amigos. - disse. - Me deixa te ajudar.

- Porque? - perguntei, olhando em seus olhos. Não faz sentido ajudar alguém como eu.

- Porque é isso que os amigos fazem. - Foi a última coisa que disse, antes de me puxar para um abraço caloroso, onde eu pude me sentir segura e amparada.

- Boa tarde. - A voz da Senhorita Sophia chamou nossa atenção, fazendo com que o nosso momento fosse interrompido.

Mais uma aula de filosofia da religião, aula essa que dividimos com Cam, Tom, Angel, Uriel, Layla e Daniel. Para minha surpresa, Daniel está presente hoje.

- Na última aula, discutimos como o orgulho de Lúcifer resultou em sua queda. - Sophia falou, enquanto procurava uma página específica em um enorme livro com capa de couro. - Alguém sabe me dizer a tradução de Superbia Vertit Angelos In Daemones? - perguntou.

A frase ecoa pela minha cabeça, como se eu já tivesse escutado esse idioma alguma vez e a tradução aparece em minha cabeça. O orgulho transforma anjos em demônios.

- O que disse? - Sophia perguntou a mim, me fazendo entender que pensei alto.

- O orgulho transforma anjos em demônios. - repeti, dessa vez mais alto.

- Ora! - disse surpresa, cruzando os braços a minha frente. - Temos alguém fluente em Latim. - Tom me olha, como quem espera algo de mim, mas não sei o que.

- Não, eu nunca... - percebo que não posso dizer que simplesmente veio à minha mente, e minto. - Foi um chute.

- Hm. - foi o único som que Sophia soltou. - Então, como isso pode ser relacionado ao anjo rebelde? - continuou. - Não teria sido seu orgulho, sua teimosia em buscar o amor, acima de Deus, fazendo com que os outros anjos caídos ficassem presos na terra?

Para surpresa de todos, Angel bufou em um tom mais alto, chamando a atenção da turma toda para si.

- Angel? - Sophia chamou sua atenção, como se perguntasse a ela se teria algo a dizer.

- Eu só estou cansada de ouvir as suas fábulas religiosas, que servem apenas para comprovar as suas crenças. Você reconta essas histórias, como se o amor fosse uma escolha. - Angel respondeu, em um tom de voz alterado.

- Não estou gostando do seu tom de voz. - Sophia respondeu por entre os dentes.

- Talvez só esteja zangada pelo anjo rebelde escolher o amor. Todas. As. Vezes. - Angel disse, batendo a palma da mão na mesa em sua frente, fazendo um barulho estrondoso.

- Saia da sala! - ordenou a senhorita Sophia, apontando para a porta.

- Com prazer. - respondeu a loira, enquanto organizava seus livros. - Eu prefiro queimar no fogo do inferno por toda a eternidade, do que ouvir mais uma vez os seus delírios complacentes e fanáticos. - Continuou, cuspindo as palavras, cara a cara com a professora.

Assim que terminou, saiu batendo seus saltos altos pelo chão, enquanto os outros cochichavam e seu irmão Daniel e Uriel aplaudiam e assobiavam, como se ela fosse uma deusa ou algo do tipo.




1° me perdoem a ausência.
2° agradeçam a senhorita Sara Julya, que me incentivou a escrever hoje. 🙈❤️

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