08

11.4K 962 69
                                    


Thiago

12 de abril de 2023
Guaianases
Zona Leste, São Paulo.

Senti meu sangue pegar fogo quando pisei no chão do octógono.

As vozes das pessoas gritando e as palmas ao redor foram silenciadas quando eu encarei meu adversário do outro lado.

Não tinha mais ninguém ali além de nós dois.

Perder não era uma opção. Eu já tinha batido o peso, só precisava ganhar o dinheiro.

O juíz se aproximou, e eu abaixei minha cabeça, com os olhos fixos no chão.

Respirei fundo pela última vez, antes de ouvir o homem anunciando que a luta podia começar.

Perna esquerda na guarda, porque era muito melhor chutando com a direita. De cara, meti um chute na costela do meu adversário, mas ele se defendeu bem, desviando. Se tivesse pegado em cheio, ele já tinha caído.

Todos os caras que eu já tinha lutado na vida sabiam muito bem que tinham que me ganhar no soco. No chute não existia dúvida nenhuma de que eu era o melhor. O Guerreiro sabia bem disso, porque não era a primeira e não seria a última vez que enfrentei ele.

Fechei a guarda quando ele avançou na minha direção, metendo soco pra cima de mim. Aí eu fiquei puto, porra. Nem tinha como sair, porque o filho da puta me encurralou contra a grade. Eu dei uns dois chutes na perna dele, mas não foi o suficiente pra ele recuar.

Quis arriscar devolver o soco, mas na hora em que eu fiz essa merda, o Guerreiro aproveitou a brexa e me deu um soco que acertou em cheio meu nariz.

Tonteei e cai no chão.

Coloquei as mãos na frente do rosto pra tentar me proteger, mas tava sentido dor pra caralho.

Eu via tudo preto, de tanta dor. Ele soube aproveitar e abaixou, me acertando nos braços, buscando uma brexa pra acertar o meu rosto de novo. O cara sabia que tava ganhando, e no lugar dele eu não ia parar até ver meu adversário desmaiado.

Mas eu não era idiota.

Sabia que mais valia perder um round do que a luta toda.

Bati duas vezes no chão e o juíz parou a luta.

O Guerreiro se levantou com um sorrisão no rosto.

Me levantei também, e fui até o canto do octógono onde o cobra me esperava. Sentei e peguei um pouco de água, enquanto ele olhava meu nariz de perto, pra ter certeza que não tinha quebrado.

Pô, eu ia continuar até se meu nariz tivesse caído no chão. Aquele lugar tava cheio de gente, e isso queria dizer que o vencedor ia sair com uma boa grana.

Cobra: Não quebrou, mas se ele encostar no teu nariz de novo, tu desmaia - falou, enquanto eu tomava água - Amassa esse cara, Haridade!

Concordei com um aceno.

Ouvi o grito da minha irmã, chamando o meu nome de luta. Encarei a Bia por cima dos ombros do meu treinador.

Ela tava sentada entre Tavin e o Paulista. Do lado do Tavin, estava o Alvarenga, e do lado dele, tinha uma mulher loira. A menina sentada do lado do Paulista, reconheci como a garota que me entregou as drogas no dia que eu fiz o corre pro Paulista.

Depois de uns dias, fui deixar a minha mãe pra fazer entrevista de emprego e vi que era no mesmo lugar. A mãe tava conversando com a Bia esses dias, e falou que na casa que ela trabalhava moravam a mãe do Paulista, e duas irmãs dele.

Ela falou o nome, mas eu não lembrava.

A morena tava sentada, parecendo uma estátua. Não respirava, não se mexia, e seus olhos pareciam que ia sair pra fora do rosto. Achei até engraçado, pô. O que que aquela patricinha tinha vindo fazer num lugar desses?

Cobra: Deixa a tua irmã. Concentra na luta - falou, tapando o meu campo de visão - Tu vai ganhar, não vai?

Eu sempre ganhava.

Não respondi o Cobra. Só levantei do chão, e fui até o meio do octógono. O Guerreiro me acompanhou com um sorriso debochadão no rosto. Eles sempre se fodiam, achando que a luta tava ganha.

Eu continuei de cara fechada. Era raro me ver de um jeito diferente, na real. Não tinha motivo pra ser diferente.

As maiores lutas e as maiores guerras que enfrentei na minha vida, não foi contra esses moleque que se acham os bonzão só porque saem por aí dando soco pra ganhar dinheiro. As minhas maiores lutas eram comigo mesmo, tá ligado? Com a minha revolta, com o meu ódio.

A maior luta era contra o vazio. Contra a falta de motivos pra seguir em frente, pra fazer as coisas darem certo.

Não tinha como fazer dar certo, uma vida que já começou errado. Não tinha como fazer nascer flor, onde a terra era seca.

Não tinha como ficar em paz, sabendo de tudo o que eu sabia, vendo tudo o que eu já vi, e tendo que lidar com tudo o que eu lidei.

Revolta pra mim, era minha forma natural.

Eu estralei o pescoço, sentindo toda a fúria sair de dentro do meu corpo, quando o juíz anunciou que a luta podia começar.

Perder nunca foi uma opção.

A parada que eu mais gostava, era tirar sorrisinho do rosto de otario, usando a força. E nem precisei de muito pra destruir o sorriso do Guerreiro.

Quando a luta começou, ele já veio com os socos de merda dele, tentando aos poucos me fazer avançar. Ameacei devolver o soco, ele recuou, pensei rápido o suficiente pra chutar a perna dele, fazendo o cara perder o equilíbrio e cair no chão.

Aí a luta foi contra o tempo.

Imobilizei o corpo dele da forma que consegui, e dei uns três socos nele, que tentava se esquivar, mas no chão, sendo imobilizado era mais difícil.

Meu corpo tava cansado. Ter batido o peso em dois dias não me ajudava em nada. Minha resistência foi pra puta que pariu e eu imaginei que não podia levar aquela luta pro desempate.

Tinha que ser nocaute.

O Guerreiro tentou desviar de mim, e aproveitei da sua distração pra praticamente inverter as nossas posições, me colocando atrás do corpo dele, usando os meus braços pra se enrolarem envolta de seu pescoço. Ele desesperou quando viu que era um mata-leão e começou a se debater, tentando me acertar pra me desestabilizar.

Foi exatamente da mesma forma que ganhei ele na nossa primeira luta.

Ele não ia desistir tão fácil. Forcei mais ainda meus braços ao redor do pescoço dele, enquanto ouvia as pessoas gritando mais alto.

O juíz se aproximou pra separar, mas antes que ele fizesse, o corpo do Guerreiro perdeu os sentidos.

Senti o gosto da vitória na boca, e foi impossível não dar um sorriso fraco.

NOCAUTEOnde histórias criam vida. Descubra agora