Capítulo 9

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Oliver estava encarando a letra de sua mãe no papel amarelado pelo tempo por mais tempo do que seria normal e ele tinha quase certeza que Anton já tinha notado aquilo. Mesmo assim, Oliver não se sentia capaz de desviar os olhos e fingir que tudo estava normal quando a saudade que ele estava sentindo no momento era quase sufocante em toda a sua terrível densidade.

Desde que chegara na casa de seu pai há algumas horas, um pouco antes do almoço, e, se ele fosse ser honesto, mesmo antes disso, Oliver estivera se sentindo estranhamente preso sob o peso da saudade de sua mãe e de Hadrian. Na verdade, ele se lembrava perfeitamente de ter acordado naquela manhã com aquela sensação estranha, como se o dia estivesse mais cinza que o comum, como se o próprio sol estivesse um pouco mais pálido com a aproximação de um inverno dentro dele.

Oliver não sabia dizer o que acarretara aquele sentimento, ele não sabia dizer porquê estava se sentindo tão terrivelmente melancólico, apenas sabia que não estava conseguindo lidar direito com aquilo. Luto era algo que Oliver sempre temera, desde que sua infância começou a se esgotar em um rio infinito de traumas e situações amedrontadoras, mas os piores momentos do luto eram aqueles, que se aproximavam sem aviso e lhe tirava o fôlego, a vontade de continuar caminhando, mesmo que apenas por algumas horas.

Por causa disso, o primeiro instinto de Oliver sempre fora ignorar a sensação injusta em seu peito, tentar fingir que ela não estava ali apenas para ver se ela iria embora. Mas como uma criança querendo brincar, o luto não dava trégua — Oliver já deveria ter entendido aquilo, considerando quantas vezes experenciara aquilo, mas a verdade era que ele nunca queria aceitar que não haveria escapatória para aquele sentimento.

Então, enquanto o tempo passava e o luto crescia, cada vez mais insistente e difícil de ignorar, prendendo-o contra a parede metafórica de sua própria dor. Oliver não queria pensar no assunto, mas em tentar ignorá-lo, o problema só ficara cada vez pior. Naturalmente, em seguida vinha a tristeza, na qual ele estava gradualmente se afundado desde o almoço, para a eterna aflição de seu pai, Anton Krause.

— Filho, você está bem? — Ele já perguntara pelo menos cinco vezes nas últimas duas horas.

Todas as vezes, a voz de Oliver falhava um pouco mais quando ele respondia em um tom de voz que contradizia cada letra de sua resposta:

— Sim, pai.

Anton, é claro, não o pressionara por uma resposta verdadeira, embora soubesse que Oliver estava mentindo — e soubesse, aliás, que Oliver sabia que ele sabia que ele estava mentindo. Com um suspiro e ignorando a preocupação do pai do mesmo jeito que estava ignorando seu luto, Oliver tinha ido até o segundo andar, em seu quarto, para pegar o livro que trouxera da Alemanha para a Inglaterra quando ele e Anton fugiram um ano antes da guerra começar.

O livro — uma coletânea de poemas brasileiros raríssima que Liora Krause achara num sebo quando era jovem ela mesma — era a única coisa que Oliver e Anton tinham da mulher que amaram de jeitos diferentes, mas tão firmemente quanto uma montanha na crosta da Terra. Ele já estava gasto e os sinais de uso logo dariam lugar para sinais de desgasto, trazendo a destruição, Oliver sabia apenas de olhar para o exemplar. Tendo sobrevivido quase duas gerações de leitores ávidos como tanto Liora quanto o filho mais velho dela tinham sido, Oliver podia falar com certeza que não demoraria muito para que o livro em suas mãos começasse a se desfazer.

E o pensamento lhe tirou o fôlego por um momento, seu coração se apertando, impossivelmente dolorido, como se a iminência da parte de algo que lhe era tão precioso fizesse com que o coração de Oliver sentisse como se estivesse perdendo Liora uma segunda vez. Mas não era essa a verdade? Com o último suspiro daquele livro, o que sobraria no mundo que pudesse lembrar da mulher de cabelos loiros e olhos castanhos que Oliver tanto amara?

Aos Poetas Decadentes - Volume 3Onde histórias criam vida. Descubra agora