5. A morte espreita numa armadilha surreal

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A MORTE ESPREITA NUMA ARMADILHA SURREAL

Abro a porta do quarto e lá está ele. O nada... o nada. Bem, acalme-se não é o nada. Existe muita coisa, como partes de paredes, muito metal, móveis imprestáveis, vidros estilhaçados, restos de tudo na verdade. É bem diferente do nada. Respiro.

Olho em volta e só vejo escombros. Entro em desespero agora? Acho que não, melhor deixar para pensar depois. Sei o que fazer. Preciso descer e encontrar minha família com urgência. Perdi muito tempo sonhando a toa com uma realidade impossível. Esta é a realidade, preciso encará-la. Céus, eu estou morta de medo. Respiro.

Com muito cuidado vou tateando e sentindo aonde é mais firme para me apoiar na descida. Consigo ver parte da sala de estar, que fica abaixo do meu quarto, repleta de poeira e destroços. A visão toda é lastimável. Não existe mais chão, apenas um amontoado de coisas e poeira. Tenho que me equilibrar para chegar ao outro lado, onde há um pedaço da rua asfaltada visível, apesar de toda esburacada. Apenas destruição, é tudo o que encontro. Respiro.

Tento gritar por meus pais, minha irmã, mas a voz parece impedida de sair, assim como minha razão ofuscada pelo intenso brilho azul celeste ao alto, resplandecido sobre o pouco do mundo que vejo. Careço de tranquilidade. Assim que serenar minha mente, conseguirei chamá-los. O normal seria berrar de raiva, angústia e solidão ao chegar ao pedaço do asfalto, se eu pudesse, claro. Que situação ordinária, não poder se esgoelar em desespero. Respiro.

Devo pensar no que fazer, no entanto é tão frustrante, não há por onde começar. Uma imagem sem início nem fim, com meu quarto apontando para o firmamento límpido de dar inveja. A casa dos pais do Lipe está totalmente destruída também. Saio em busca da minha família. Deduzo onde deveria estar o quarto de meus pais, o de Ninica. Mas é inútil. Embaixo de madeiras e tijolos quebrados encontro pedaços de suas camas, roupa e todo tipo de móveis que um dia foram úteis. Porém, nem sinal deles. Só terra, poeira envolvendo todas as coisas.

Sem mais nem menos começo a correr, passo por cima de toda aquela bagunça interminável. Puxo, arremesso, no entanto muita coisa não sai do lugar. Não paro. Sou uma máquina de resgate. Por vezes sinto um rasgão na pele, superficial ou não, continuo na minha busca desenfreada por vítimas não fatais. Procuro gritar e depois de um tempo interminável um fiapo de voz sai e aos poucos, com o sol já a pino, começo a gritar enlouquecidamente. A garganta dói. O cansaço posso deixar para depois, tenho que prosseguir.

Ao longe deslumbro uma lua transparente, que surge na abóbada. Por ocasião de uma falta de fôlego, enxergo o que me parece uma perna florindo. Corro, agarro-a. Passo a retirar tudo o que há entre mim e aquela perna, inclusive com a ajuda de um cano de ferro, que devia ter sido parte de algum alicerce. Peço para a pessoa ter paciência, eu ajudá-la-ia, tudo daria certo. Qual não é o meu espanto quando o pedaço sem vida nem possui continuação. Tudo o que não preenche meu estômago é posto para fora. Viro o rosto e cambaleio para o outro lado. Caio de joelhos num amontoado de cimento, pedaços de móveis e telhas. Minha mão direita afunda em um buraco e sinto inadvertidamente uma pele. Toco, é macia, investigo através do tato e descubro dedos, mão, nem fria nem quente. Procuro o pulso e nada. Mais uma vez o nada. O desespero. Respiro.

Saio desnorteada em direção ao resto do asfalto. O sol se põe no horizonte, formando aquele delicioso misto de azul com rosa, cores muito vibrantes. Minhas pernas vacilam e caminho sem rumo. Os cabelos grudam na testa, no pescoço e o suor desce feito um rio pela espinha. A mente em giros atômicos acompanha a leve brisa ardente. Mais que o cansaço, as lágrimas pesam-me na alma mostrando-me um borrão colorido à frente.

De nada adianta gritar. Não existe ninguém para ouvir ou responder. Tudo o que falo, berro é somente para mim. A impossibilidade de realmente deixar o ocorrido para trás dói tanto quanto o fato de ter perdido a todos que amo. É a morte rondando, perseguindo-me. O aroma cadavérico putrifica o ar. Uma ânsia grotesca invade meu infinito e um abismo se faz crescer diante dos pés. Sinto-me num labirinto, onde sou o centro que ninguém pode chegar a conquistar ou resgatar. Será uma nova guerra? Um ataque alienígena? O fim do mundo? Alguma explicação tem de existir. Sempre há uma lógica. Porém, não consigo mais pensar, nem sentir nada. Um vazio gigantesco toma conta do corpo, da mente e do espírito. Acredito que nem a exaustão se faz perceptível no momento.

Só resta uma certeza. Eu estou sozinha e não estou sonhando.

Destino Íntimo - Uma Jornada ao Pulsar de Um Estranho - Livro 1 - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora