6. O fim das coisas reside no nada que elas ocupam em nossas mentes (parte 1)

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O FIM DAS COISAS RESIDE NO NADA QUE ELAS OCUPAM EM NOSSAS MENTES

Meu mundo não existe mais. Que bobagem estou pensando? Mundo nenhum existe! Por onde passo só vejo destruição, nada além. Nenhum som de socorro, sirene, automóveis, gritos de desespero, como deveria ser comum em catástrofes, nada de ruídos, por menor que seja. Uma paz esquisita reina neste cenário grotesco. Eu continuo caminhando sem direção.

Ainda há resquícios de raios solares quando um pensamento louco se faz ouvir em minha mente. Zuzu! Logo se esclarece. Tia Zuzu, Cat e Guto! Preciso encontrá-los.

Durante o trajeto algo me diz que a esperança não morrera e mesmo sem quase nenhuma força, corro. Corro o máximo que posso. Mais até que três anos atrás, na noite em que fugi do Lipe, deixando Cat sozinha na rua. Eu os encontrarei. Tenho certeza. E de repente uma estranha presença surge em mim. Sinto uma alegria maluca. Certa felicidade incontrolável. É incrível, mas desejo rir. E não é pouco não, é muito. Uns risinhos começam a escapulir, mas sabia que não podia fazer isso. Sempre que rio perco as forças, fico mole e tenho que chegar o quanto antes na casa de Cat. Então, sinto-me patética. Ridícula mesmo. Mas é tão boa esta sensação de não estar só.

Enquanto corro, pulo, salto os obstáculos. Nem me dou conta dos corredores da destruição pelos quais passo. Todos meus pensamentos estão preenchidos pelos abraços, beijos e risadas que darei ao encontrar Cat, tia Zuzu e Guto. De como me farão esquecer, pelo menos durante alguns minutos, o horror que se alastrara em minha vida. Mas, quando dou por mim, percebo que passei a quadra, se é que dá para distinguir os quarteirões. Volto alguns passos. Olho, olho e... onde está a casa deles? Só vejo o mesmo amontoado da minha rua e de todas as outras. Com a diferença de não existir nenhum cômodo em pé. Minhas pernas ficam bambas e quando vou soltar o último dedo da beirada do abismo, um lampejo: tia Zuzu!

Podem estar todos juntos na casa dela, que fica a duas quadras, na rua de trás. Não sei de onde busco forças, mas volto a correr desembestada.

A mesma visão. A mesma visão por todos os lados. Por todos os lados a mesma paisagem. Uma calamidade só. A casa de tia Zuzu é de madeira e está completamente desmontada. Sinto as pernas mais bambas que nunca, meus joelhos afundam no chão, enquanto grito por Cat, e dois rios desenfreados afloram de mim. Enterro meu rosto nas palmas das mãos. Meus soluços floriam no silêncio devastador e em meio ao pranto, ouço uma voz abafada e fraca.

— Menina! Venha aqui, meu anjo.

Olho em volta, concentro-me.

— Menina! — ela tosse entre as sílabas.

Perscruto o local e vislumbro uma cabeleira negra, depois os braços e parte do tronco de uma pessoa. Ao me aproximar identifico tia Zuzu. Corro, ajoelho-me ao seu lado, tiro os cabelos de seu rosto e ela dorme. Um calafrio percorre minha espinha. Será que não era ela quem me chamava? Meu choro se torna descontrolado, procuro sua pulsação. Vagarosa, mas existe. Começo a retirar alguns destroços de cima dela e resolvo puxá-la. No primeiro puxão ela grita. Assusto-me. Ela é grande, eu não conseguirei sozinha. Tenho que retirar todos os destroços. Recomeço.

— Não, meu anjo. Pare. — diz ofegante.

— O quê? Tia Zuzu, vou tirar a senhora daqui.

— Não adianta, meu bem.

Destino Íntimo - Uma Jornada ao Pulsar de Um Estranho - Livro 1 - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora