♛ 006.

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Anthônio Duarte foi a minha família.

Meu pai, honestamente dizendo, foi o melhor homem que eu já conheci em toda a minha vida. Presente, paciente, amoroso, cuidadoso, batalhador - de fato, minha maior primeira fonte de inspiração.

Ele cuidou de mim.

Ele criou a Eve Duarte.

Desde que me entendo por gente, nesse mundo fomos papai e eu, contra tudo e contra todos. Mesmo sabendo que lá no fundo, eu sentia a falta de uma presença materna em certas situações, Anthônio sabia fazer o seu papel e encobrir todos os sentimentos ruins que às vezes insistiam em querer emanar.

Mas, nunca nenhuma explicação para o porquê de eu não ter aquela presença. Do porque não poder comemorar o dia das mães ou ter fofocas sobre garotos antes de dormir.

Apesar de papai, nas raras vezes em que parecia lembrar de minha progenitora, sempre ter tido muito carinho no olhar - a dor também estava ali. Atrás dos olhos brilhantes e a incessante forma de evitar dizer qualquer mínima coisinha, que pudesse me deixar mais próxima à ela.

Para todos os efeitos, eu não tinha uma mãe.

E depois da morte de Anthônio, eu não tinha mais ninguém.

Entretanto, ainda sentindo a mão suave de Cassy sobre os meus ombros, analisei a situação em que me encontrava. As dezenas de olhares me encarando, como se eu fosse algum tipo de bicho exótico - o que, quando eu parava para pensar, chegava a ser engraçado. Tipo, não eram eles os vampiros, lobisomens e sei lá mais o que?

De alguma forma, haviam pessoas demais.

- Beba um pouco, vai se sentir melhor.

A cacheada atrás de mim disse, sua voz soando como uma canção de ninar. Virei meu corpo para poder encara-lá com mais facilidade, minha cabeça parecendo flutuar. E, mesmo com a tal calmaria aparente, por dentro, eu continuava um caos total.

- Não acho que exista alguma forma de eu me sentir melhor, nesse momento - murmurei, pegando o copo de suas mãos e dando um gole pequeno e desconfiado.

- Eve... - ouvi Marie chamar mais uma vez. Ela, por sua vez, parecia apreensiva. A postura alerta, os olhos - tão parecidos com os meus - me fitando com certa tristeza. - Podemos voltar lá para cima? Eu prometo a você, que tudo vai ser esclarecido.

Soltei uma risadinha sem humor. Avistei de longe Carmélia e Darlan se aproximando da mulher, com Juan e Zaniel logo atrás. Todos parecendo muito concentrados em me constranger, com suas íris impregnadas sobre minha humilhante imagem desesperada.

Eu duvidava que tudo fosse ser esclarecido.

Porém, deixando a pouca - pouquíssima mesmo, considerando a situação em que eu me encontrava - consciência que eu ainda tinha, tomar conta de mim... eu também sabia que não havia o que eu pudesse fazer.

Não havia noção nenhuma de onde estava, apesar da breve apresentação de Marie. E, nem se eu estava realmente sã, de frente à tantos adolescentes que, aparentemente, não eram adolescentes.

- Por favor - a rainha pediu.

De repente, ela pareceu vulnerável demais para alguém cujo a cabeça era preenchida por uma coroa tão grande e brilhante. Então, algo dentro de mim pediu para que eu à ouvisse mais. Uma vozinha bem baixa nos meus ouvidos, semelhante aos murmúrios de meu pai, quando queria me convencer a ir com ele em mais uma pescaria sem graça.

Algo do tipo: dê uma chance.

Qual é? Novamente falando: eu tinha outra escolha?

- Essa é a sexta-feira mais longa da minha vida.

•••

Tudo dentro do enorme castelo era arejado. Fresco. Nada parecido com o tempo do lado de fora, onde o céu vermelho e a falta de vento, não faziam um contraste real com as árvores ainda tão cheias de vida.

Eu observava tudo por uma das várias janelas da sala de Marie. A cortina de seda branca sendo surpreendentemente mais pesada do que eu imaginava, enquanto eu à afastava com cuidado para uma melhor visão.

Atrás de mim, sentados em várias das cadeiras confortáveis distribuídas, - por algum motivo - estavam os mesmo adolescentes que haviam me sequestrado mais cedo. Eles falavam o tempo todo e pareciam bem à vontade, com os pés para cima.

- Hum... - pigarreei, virando-me para poder olhá-los. - Vocês também tem alguma história de vida para ser revelada por Marie ou algo do tipo?

Juan foi o primeiro a se levantar e direcionar sua atenção à mim. Um sorriso curto foi esboçado, acompanhado por duas covinhas. Seus cabelos longos estavam presos e ele parecia disposto a me dar uma resposta de prontidão.

- Ah, não - disse, descontraído. - Estamos apenas... te fazendo companhia - ele pareceu tímido, de repente. - Você parecia assustada, pensamos que se estivéssemos aqui, você pudesse se sentir mais calma.

- Eu sei que a idéia parece péssima no início... - foi a vez de Zaniel se pronunciar, no mesmo tom tranquilo.

- No início e no fim - Darlan interrompeu, os braços cruzados em frente ao peito, sem mover um músculo sequer de sua cadeira. - Colocamos um saco preto na cabeça dela, a trouxemos para o outro lado contra a vontade dela e agora ela está mais perdida do que cego em tiroteio... porque nossa presença seria mais reconfortante?

- Ah, e não podemos nos esquecer que ela deu um soco na sua cara - ouvi a voz de Levon e direcionei meu olhar ao azulado sorridente, que teve o sorriso ainda mais alargado ao ver a carranca do loiro ao seu lado.

Cassandra e Carmélia reviraram os olhos em uma perfeita sincronia - e, vocês ficariam chocados se vissem o quão elegantes elas conseguiram ficar, até fazendo isso.

- Em nossa defesa, Eve - Carmy tomou a frente. - Era para apenas minha irmã e eu estarmos aqui. Eles vieram, porque são intrometidos e curiosos.

Encostei na parede escura, desistindo da vista avermelhada. Sendo bem sincera, por algum motivo ainda mais desconhecido, eu realmente estava me sentindo mais confortável com eles por perto.

Me chamem de maluca! Só não venham me cobrar sanidade a essa altura do campeonato, okay?

- Tudo bem - eu respondi, soando calma pela a primeira vez. - Algum de vocês sabem dizer onde a Marie foi?

E, como se esperasse apenas uma deixa, a mulher de andar flutuante abriu a porta, sem nenhum barulho ou alarde. Seu rosto parecia mais feliz quando ela me olhou e sorriu, tão doce que quase pude sentir o gosto.

Um arrepio percorreu minha espinha.

Era tão estranho a forma como eu... a admirava.

- Estou aqui - continuou seu caminho, me fazendo acompanhá-la involuntariamente com os olhos. Não sei quando foi que todos da sala se colocaram de pé, mas agora estavam quase tão sérios quanto sua rainha. - Apenas fui buscar alguém. Diga "oi", Lize!

Com as sobrancelhas arqueadas, voltei novamente meu olhar para a porta. Só então, notei a figura de cabelos lisos e pele impecável que adentrava com firmeza. A garota parecia ter a mesma idade que eu, seu cheiro doce exalando por todo o ambiente, a cada passo que dava.

Parando próxima à Levon, a desconhecida empurrou levemente o de cabelos azuis para o lado, jogando o corpo na cadeira atrás do mesmo e soltando um lamento alto.

- Dá para acabarmos logo com isso? - sua voz parecia aveludada, mas não o suficiente para esconder o seu descontentamento. - Tenho aula de pilates daqui à vinte minutos.

••••••

𝐢. 𝐓𝐇𝐄 𝐇𝐄𝐈𝐑𝐄𝐒𝐒. ! ༉ originalOnde histórias criam vida. Descubra agora