5 de abril de 2023

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ousei dizer que estava feliz e acreditei que tudo ficaria bem

cedo demais.

tudo em nós foi cedo demais.

"hoje não é primeiro de abril, hoje não é primeiro de abril, hoje não é primeiro de abril. hoje não é o dia da mentira", eu repetia, "então por que você está dizendo isso?" mas nós dois sabíamos a resposta: as verdades, às vezes, conseguem correr de você, escapar por entre seus dedos de ventríloquo e conquistar o mundo, por mais que você tente ter controle sobre elas — muito pouco se curva aos teus pés — por mais que tente evitá-las; elas continuam ali, e são tão vivas e rebeldes quanto o teu coração pulsante.

eu ainda preciso aprender a ver as coisas que se mostram para mim, porque muitas vezes não posso enxergar o que está bem diante dos meus olhos, mas sei que sinto falta de casa, sinto falta do útero da minha mãe, sinto falta do abrigo do oceano profundo e de quando tudo era água e vulcão e os seres vivos mais complexos eram pouco maiores que uma célula.

ouso até desconfiar de minha própria mente e das memórias, porque as cores sempre mudam quando as histórias deixam seus lábios mentirosos. você sabia dos meus medos e jogou todos eles de volta para mim, testou meus limites além do que eu podia suportar. foi tão divertido assim para você, brincar comigo até minha pele se rachar, entrar na minha mente e deixá-la às avessas como se fosse tua própria casa? deve ser mesmo incrível a sensação de ter tanto poder sobre outra pessoa, claro, para os que conseguem tranquilamente dormir com isso.

às vezes era como estar no topo da ladeira, olhando tudo lá embaixo e sabendo que descer rolando seria tão perigoso quanto dolorido; mas não se tem muitas opções se quiser chegar até o fim de um caminho tortuoso. a vida é feita de boas e más escolhas, dizem. as más ensinam, e as boas compensam. mas às vezes, brinquedos quebrados insistem no erro porque não conhecem mais nada.

gostam de suas casinhas aos pedaços não porque o assoalho engordurado lhes traz conforto, ou porque as janelas quebradas são ótimas para garantir a ventilação, nem porque o barulho dos móveis sendo roídos pelos cupins é agradável e muito menos por causa dos tapetes mofados e recheados de ovinhos de barata que já não se parecem mais, nem de longe, com nuvens macias. até porque, nenhuma dessas mentiras cola.

eles gostam de suas casinhas miseráveis porque elas representam tudo o que eles conhecem, e está bom assim. muitos deles sequer tiveram casas.

a minha mente não é mais a mesma há anos, acho que tem uma ameba no meu cérebro. mas se eu sabia, se sabia desde o principio; então do que estou reclamando? estou reclamando porque o amor que se diz tão puro não te sufoca; não leva uma lâmina ao seu pescoço. o amor não diz que vai matá-lo enquanto lhe encara com uma faca afiada nas mãos, girando-a entre os dedos indecisos; o amor não humilha ou diminui — e nem tudo suporta.

eu preferia que você não fosse uma lição tão doída do universo, mas eu nunca ouvi ninguém dizer que é possível escolher as pedras que se vai encontrar no caminho. então não consigo compreendê-lo, ou mesmo defini-lo. só consigo pedir ajuda aos céus, para que eu deixe de ser o brinquedo que você não sabe mais se ainda quer.

diário do eu s̶e̶m̶ ̶v̶o̶c̶ê̶Onde histórias criam vida. Descubra agora