21 de maio de 2023

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eu mereço dizer minha verdade, me dedicar às artes


e ignorar sua existência.

eu mereço tirar o colar que você me deu, aquele mesmo que gradativamente apodrecia no meu peito enquanto você destruía nossa relação, e guardá-lo bem fundo na gaveta.

da última vez que me consultei com os mortos, sra. maria mulambo me abraçou, enxugou minhas lágrimas e disse o óbvio que mesmo estampado na minha frente, eu ainda não era capaz de ver; não porque você é um bom mentiroso, mas porque eu estava cega. porque eu quis, anos atrás, me cegar por você, e assim o fiz. ela tirou o seu colar do meu pescoço e falou convicta, "eu não gosto do jeito que ele te manipula." então sra. mulambo me contou todas as coisas que lá no fundo da alma, eu já sabia, mas me recusava a acreditar e de alguma forma, ainda precisava desesperadamente que os espíritos me confirmassem.

hoje, eu mereço tirar a camiseta com seu nome — que uso há dias como se pudesse estar mais perto de você — para cuidar de mim, porque ninguém mais vai fazer isso.

agora, a memória do dia em que você me deu essas coisas está fresca de novo na minha mente, mais vívida que a sua versão. me recordo do seu tom de voz insustentável, falho porque você já havia partido o meu coração tantas vezes, sequer acreditava que eu ainda pudesse aguentar uma vez mais. e me lembro de buscar a verdade em seus olhos e não encontrar nenhum sinal dela. revivo as suas expressões cínicas que nem tremiam enquanto você mentia, já que esta era e segue sendo a única coisa que um dia você se empenhou em aprender.

eu também mereço tomar um banho de canela e alecrim às onze horas de um sábado enquanto marco de encontrá-lo.

porque apesar do luto, é de meu direito rir e chorar com uma boa companhia e por coincidência ou não, há esse garoto que sempre me estende a mão e tem um abraço tão confortável que me dá a mesma sensação de bebericar um chá de camomila aos pés de uma lareira aconchegante, vestindo meias de tricô que a vovó fez e escutando um jazz ambiente. o sorriso dele faz as flores se abrirem — você não entenderia.

eu mereço escrever toda a minha dor e derramá-la do meu peito até que eu esteja completamente vazia de você, tal como fechar todos os possíveis portais que conduzem sua energia, e os que você ainda usa para me sugar. muito em breve, nós estaremos tão separados que será impossível dizer que nossas almas já caíram no erro de soletrar, "você sou eu e eu sou você." tão separados que será impossível dizer que já existiu um "nós".

eu mereço cortar nossos laços tão profundamente que você vai sentir do outro lado do planeta, e eu espero que doa quando finalmente perceber que eu reclamei meu poder de volta, espero que doa quando finalmente perceber que não tem mais poder algum sobre mim.

eu mereço cantar dead to me, minha voz se unindo ao timbre suave de melanie martinez enquanto ela me decifra através da dor que apenas as mais puras de coração entendem, resultante do erro de se arrancar pétala a pétala pelo mal-me-quer de uma criança. mereço fazer tudo isso fingindo que você nunca existiu, ou melhor — que morreu de forma trágica, imaginando seu caixão fechado, proibido de ver o céu uma última vez.

por quanto tempo seu fantasma ainda vai me acompanhar, é o que não posso saber. mentirosos como você não merecem o paraíso, porque o venderiam por muito menos.

diário do eu s̶e̶m̶ ̶v̶o̶c̶ê̶Onde histórias criam vida. Descubra agora