Prólogo

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23 de agosto de 2038.

Ruas sujas, não há mais nenhum lugar limpo.

Cheiro podre de cadáveres de animais, mas ninguém se importa.

A música das buzinas nunca foi agradável, e nunca será.

A dor das feridas não para, mas logo logo vai, né?

O tempo não parece mais passar, mas o número do calendário não para de mudar.

Nublado, as chances de chuvas são bem altas nessa época do ano. As partículas de sujeira ficavam mais visíveis com o contraste do clima.

Um céu coberto de nuvens cinzas, deixando Barulhos, uma cidade de grande porte, mas ainda não tão quanto a capital, ainda clareada, mas com um ar depressivo. As ruas estavam sujas; já faziam meses desde a greve dos coletores de lixo no país. Estava um caos: garrafas, papéis, latas, cadáveres de animais pequenos. Mas a prefeitura ainda insiste que já está solucionando o problema.

Uma porta se abre. A porta de uma casa grande, de dois andares, porém vazia.

Cassius saiu de sua casa mais cedo. Seu pai já tinha saído horas antes, como todos os outros dias, sem exceção. Saindo de madrugada e voltando no fim do dia.

A mesma rotina, sempre que voltava da escola, não havia ninguém para recebê-lo, falando: "E aí filho, como foi a escola hoje?". Não, apenas nada. Um vazio estranho, além disso, ele sentia a falta de alguém que ele não se lembrava.

"Por que tem um quarto vazio ao lado do meu?"

Ele sempre pensava; ele nem podia perguntar para seu pai, já que ele quase nunca estava presente. Mas depois do que aconteceu, o que Cassius quase fez ontem, o evento que mudou o universo inteiro para Cassius, tudo havia mudado.

Cassius decidiu ir aonde seu pai trabalha procurar por respostas.

Não havia ninguém nas ruas. O povo não gostava do cheiro podre das ruas, mas isso não era o suficiente para Cassius desistir de seu objetivo.

Inúmeras construções abandonadas. Casas sem dono, infestadas de dependentes químicos e pessoas que só querem um teto. Havia rastros de sangue das ruas até essas casas. Com aumento de incêndios florestais decorrido pelo aumento da temperatura mundial, animais silvestres acabaram por fugir da mata e ir para as ruas. Os animais estavam por todo o canto. As pessoas tinham fome, muita fome. Foi apenas necessário o primeiro a matar que o resto foi em cima. As pessoas rasgavam as peles dos bichos em plena luz do dia. As autoridades até tentaram parar, mas acabaram por revoltar ainda mais os mendigos.Os anos de 2036 e 37 foram os piores dessa situação, mas a carnificina foi tão intensa que acabou por parar por conta própria. Não havia mais animais a disposição. As únicas coisas que sobraram foram ossos nas ruas, tanto de animais como de pessoas. Esse foi considerado o pior período da história do Brasil, e até mundial.

No início do ano o governo iniciou o projeto da "Limpeza". O primeiro passo era lavar as ruas, e o segundo era lavar os mendigos, mas não no sentido higiênico. O mais impressionante foi que a maioria da população não foi contra a proposta. Apenas animais matando animais. O ciclo da vida.

Continuando a caminhar, Cassius nem pensava nos defuntos, nem conseguia pensar em nada, porque nada mais importava além de descobrir no que o seu pai trabalha e de descobrir a verdade.

O local de trabalho não é muito longe da casa de Cassius, mas ainda não era perto. Alguns minutos de caminhada. Cassius se questionava o que irá mudar. Como seu pai vai reagir a isso. Vai importar?

"Lúcidus", uma loja de iluminação. Era bem chamativa. Logo acima da entrada havia um enorme desenho de uma lâmpada com "Lúcidus" escrito com LED nela.

Cassius entrou pela porta automática e viu várias luminárias, lâmpadas e outras coisas caras. Mais para a esquerda, havia a recepção junto com o caixa. Também havia uns assentos e um bebedouro.

- Bom dia - o atendente falou. - Como posso te ajudar?

- Eu sei - Cassius falou com um olhar sério.

- Sabe o que?- o atendente perguntou confuso.

- Que meu pai trabalha aqui.

- Ah, você deve ser o Cassius. Sim, sei que seu pai trabalha aqui.

- Não é isso. Eu vi os posteres na rua, eu não sou "ignorante".

-Uhmm....

O atendente ficou com os olhos arregalados com a frase do menino. Ele rapidamente pegou um telefone que estava na mesa e ligou para alguém.

- E então, eu posso vê-lo?- Cassius pergunta.

O atendente fez um sinal de espera com a mão enquanto esperava o telefone atender.

Enquanto esperava, Cassius foi no bebedouro e então se viu num espelho na parede.

Ele estava bem cansado. Olheiras, cabelo bagunçado. Nem parecia que ele tinha só 13 anos. Olhos sem direção, como se ele tivesse perdido a habilidade de focar os olhos. Ele não conseguia tirar da cabeça o que ele quase fez no dia anterior. Tudo o que não teria acontecido. O medo de voltar ao ciclo ignorante, sem saber o que é verdade e o que não é. O medo de não mudar. "Não é culpa minha! É culpa dele!"

- Cassius - o atendente chama-o enquanto desligava o celular. - Pode me seguir?

Eles passaram através dos corredores com várias lâmpadas.

- Tão jovem assim? Meu Deus, será que eles vão......- ele olha para Cassius, seu olhar vazio deixa ele triste- Então... Você deve ter ido pelo... Não, não posso discutir isso aqui. Vamos logo.

E então os dois chegaram aos fundos da loja.

Lá havia duas portas. Uma era para o banheiro. A outra tinha uma placa de "Apenas Funcionários". Havia nessa porta, logo ao lado da placa, um adesivo com um desenho de lâmpada, igual o da fachada lá fora. O atendente girou a maçaneta e abriu a porta.

- Entre na primeira porta à esquerda - o atendente acena e depois de Cassius atravessar, o homem fala - Eu sinto muito.

A porta fecha, deixando Cassius sozinho, de novo.

Ele estava com o coração acelerado. Ele nunca tinha pensado que conseguiria chegar tão fundo. Ele engoliu seco e continuou andando.

"E se der errado? E se eles recusarem? E se... E se!?"

Ele fez uma curva para a esquerda e viu um corredor com duas portas na parede da esquerda e no fim do corredor havia outra curva para a esquerda.

Tudo era de metal, parecia uma bunker. O local parecia que conseguiria suportar bombas.

Cassius respira fundo.

"Finalmente terei respostas", ele pensou.

Ele então caminhou até a porta, seus passos faziam um som alto no corredor, deixando Cassius ainda mais nervoso. A porta imponente o encarava enquanto Cassius a observava com medo. Ele então girou a maçaneta e entrou.

Do outro lado, havia uma mesa e duas cadeiras, tudo de metal. O garoto se sentou numa das cadeiras e começou a esperar.

A sala tinha uma sensação estranha. Arrepios. Era como se desse para sentir tudo o que essa sala já viu. Lutas, brigas, risos, choros, revelações. A verdade.

"Será que fiz a escolha? Não, não, eu tô certo. Eu quero respostas!"

O medo vai crescendo aos poucos. O pé dele treme no chão. Ele estica o pescoço para olhar ao redor. Nada.

A agonia começa a prendê-lo.

Remorso.

Ela segura as pernas dele.

"Não, não, não!"

Ela prende a cintura dele.

Ele começa a chorar.

O coração parece que vai explodir de tanto bater.

"Cadê? Por que não tem ninguém vindo?"

Segura seu tronco.

O suor escorre do pescoço até a coluna, onde passa por cada osso, fazendo seu corpo congelar.

Ata as suas mãos.

"O que pode ser tão ruim? A verdade? Eu vim até aqui, eu quero ela!"

Prende a sua cabeça.

As lágrimas tampam sua visão.

A agonia escala por dentro da garganta, puxando cada músculo para o regresso. O medo.

"O que há de tão ruim? Eu só quero saber! Eu só quero a verdade!"

A mesa treme. Não, é apenas Cassius quase tendo uma convulsão.

Ele sente o corpo inteiro sendo espetado, como uma acupuntura mal feita.

Sua boca se enche de espuma. Era isso. Ele vai desmaiar.

A sala começa a desmoronar. As paredes derretem ao redor de Cassius, sucumbindo ao abismo eterno. Uma câmara de gás, sufocando, apertando, estrangulando seus pulmões.

A pele dele queima, como se todos os nervos estivessem sendo arrancados à força.

"Grrrhhh"

A porta se abre, e uma figura grande está nela.

A tensão, antes grande, agora havia se multiplicado por mil.

Uma figura alta, fina entra pela porta. Vestindo um terno azul com uma gravata verde. Usava luvas brancas, fazendo seus dedos parecerem ainda mais afiados. Uma máscara cobria seu rosto, havia um desenho de um sol verde com raios azuis ao redor na máscara.

Ele tranca a porta quando entra.

Cassius se sentia como uma formiga, prestes a ser pisoteado por um gigante.

A figura vai até a outra cadeira e se senta. Ele põe as mãos na mesa, revelando estar segurando algo.

Ele põe um aparelho no meio da mesa, um gravador.

- Antes de começarmos - a voz dele era grave e séria, era um homem - Agora é a sua última chance de voltar e não se alistar. Se você entrar, sua vida nunca mais será a mesma. Todo o seu existir vai se compor por arrependimento e sofrimento. Você irá acordar todo o dia pensando: "Por que que eu me juntei a eles?". Nada mais vai fazer sentido como antes. Você irá ver as pessoas de forma diferente, as pessoas te tratarão diferente. Você pensará que é injusto, mas é. Você verá a injustiça quando souber as regras da realidade, e verá o quão precário o mundo é, e como só piora todo o dia. Mas lembre-se, esse sacrifício não é em vão. A escolha que você vai fazer agora vai ajudar muito para que nós possamos por controle nas rédeas do destino. Tudo, no fim, será pago.

A fala dele começa a se repetir na cabeça de Cassius, como se estivesse num loop infinito. Tudo estourava em sua cabeça, tudo o que ele passou. "A verdade? O que o meu pai faz aqui? Por que ele está de máscara? Ajudar? O que é tudo isso".

- E então? Você vai querer se juntar a nós?

O corpo todo treme, a chuva de ideias e perguntas consome seu inteiror. Então, sem mesmo perceber... Cassius assente.

- Bom... - ele estica a mão no gravador e aperta "Record" - Vamos começar a iluminação.

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