Um homem digno

18

   DEZOITO

Wuxian empurrou o carrinho de correspondência fora do elevador e no corredor. Ele acenou para alguns dos outros empregados que passaram por ele.
Os trabalhadores da correspondência anteriores no escritório tinham residido no primeiro andar, na sala dos fundos, recebendo pacotes e fazendo triagem de correspondência durante todo o dia. Era chato e monótono. O pior de tudo, era um desperdício de tempo. Durante sua primeira semana, Wuxian tinha configurado alertas de texto para atualizações de entrega para as principais entregas de pacotes e classificou a correspondência pelos andares, escolhendo entregar pessoalmente a correspondência a cada pessoa. Deu-lhe a oportunidade de conhecer todos e vincular o nome no envelope à pessoa real.
Depois de passar tantos anos confiando tão fortemente nas cartas de Wangji, ele queria respeitar cada envelope. Poderia parecer bobagem para outros, mas certificar-se de que cada entrega chegava com segurança nas mãos de cada destinatário era primordial.

— Ei, Wuxian.
Houve alguns funcionários que não conseguiam esconder sua curiosidade sobre o novo cara empurrando um carrinho de correspondência ao redor do escritório e sempre com tempo para iniciar uma conversa. Connor Jacobson era um deles. Ele facilmente estava em seus quarenta ou cinquenta e poucos anos e, com base no título que Wuxian lia em seus envelopes endereçados, chefiava o departamento de marketing.
Wuxian tinha aprendido um pouco sobre cada empregado nas últimas duas semanas e meia, quer a partir das fofocas do escritório ou site da empresa. Connor tinha trabalhado com Wangji por cinco anos e agora subiu de cargo rapidamente. Sua paixão por carros era óbvia pelas inúmeras bugigangas e cartazes em seu escritório e o entusiasmo que ele exalava durante suas entrevistas em vídeo, quando lançou a empresa ou fez anúncio de um produto.
Seu amor por carros era contagioso e irradiava de seu sorriso nunca esmorecido. E seu respeito por Wangji sempre ecoou em seu tom. O que ganhou pontos no livro de Wuxian. Ele enfiou a mão no carrinho e rapidamente recuperou o grupo ordenado de envelopes para Connor. — Olá, Sr. Jacobson. Como vai você hoje?

— Ótimo. E eu já lhe disse, me chame de Connor. — Ele puxou o elástico do grupo de envelopes e rapidamente digitalizou pelo correio, abrindo um dos envelopes enquanto falava. — Vicky está de olho em você. Acho que ela está recrutando membros para o seu fã-clube.
Wuxian não poderia controlar a risada. Do punhado de funcionários envolvidos no seu início no escritório, ninguém tinha feito a ligação entre ele e Wangji.
— Inferno, você tem a maioria das senhoras no andar sussurrando sobre você. Eu tenho certeza que é uma venda fácil.

Ele franziu a testa. Não tinha feito nada de errado até a última vez que verificou.
— Por quê?

Connor cruzou os braços e sorriu.
— Talvez seja toda a vibração homem-misterioso. Ou talvez seja a forma como a camisa se encaixa em você. Ou talvez seja o fato de que você as chamar de “senhoras” ou tomar o tempo para conversar com elas.

Ele puxou o colarinho da camisa.
— Seus braços, Wuxian. Esses braços assustam os caras, mas têm o efeito oposto completo em suas futuras membras do fã-clube.
— Connor adicionou como se lesse seus pensamentos.

Exatamente a reação que ele esperava, enquanto preso, mas não agora que estava fora. Ele tentou puxar para baixo a borda das mangas de sua camisa polo, que se estendia por seus bíceps protuberantes, mas o elástico rapidamente subiu por seus músculos novamente. — Desculpe.

Connor jogou a cabeça para trás e riu. — Eu com certeza não iria pedir desculpas por isso. Você é jovem e tem sua vida inteira pela frente. Você só tem uma chance. Aproveite.
Eu recebi uma segunda chance.
Connor bateu os envelopes contra o braço de Wuxian e riu, tirando o foco de volta ao presente. Ele sorriu enquanto Connor se afastava em direção aos elevadores.
Wuxian empurrou o carrinho para os diferentes escritórios e cubículos, distribuindo a correspondência com uma saudação ou sorriso. Ele fez questão de abordar as pessoas pelo seu nome ou fazer uma pergunta de acompanhamento sobre seus filhos, cão, ou trabalhos escolares, se foi algo que falaram no dia anterior. Ele nunca teve pessoas conversando abertamente com ele sobre as coisas. Foi refrescante e ele acolheu de braços abertos, saboreando as relações pessoais que nunca teve, tendo a certeza de se lembrar de cada pequeno detalhe que eles compartilhavam com ele.

Ele dirigiu o carro em direção a Mia, as duas últimas paradas no andar antes de voltar à sala de correspondência. Ele preferiu esperar para ver Wangji.
— Oi, Mia.
Seus lábios se apertaram, escondendo um sorriso.
— Olá, Wuxian.
— Ele está se comportando hoje?

Mia finalmente deixou seu sorriso sair.
— Hoje não. Ele precisa de alguém para animá-lo. Parece um pouco estressado. — Ela se inclinou sobre a mesa, descansando seu peso em seus antebraços. — Você tem cerca de cinco minutos antes de sua próxima reunião. Vá em frente. Eu preciso correr para o sexto andar para pegar os materiais para sua outra reunião da tarde.
— Obrigado. — Ele empurrou o carrinho para o lado, fora da vista dos curiosos, em seguida, bateu duas vezes, esperando que Wangji respondesse.
— Entre.
Wuxian suspirou, sentindo uma vibração em seu peito ao som da voz dele. Se Wangji precisava de um sorriso, então ele com maldita certeza ia fazer isso acontecer.

Wangji esfregou as têmporas, na esperança de aliviar a tensão construindo em uma dor de cabeça monstro. Ele poderia fingir com Taylor, mas a verdade da questão era que precisava lançar um novo modelo no próximo ano. Ele se recusava a ser marcado como uma maravilha de um só sucesso depois de ter lutado tanto para finalmente estabelecer o nome Wuxian na indústria.

Este era o seu legado. Seu e de Wuxian ... quer Wuxian soubesse ou não.
Tempo demais pensando sobre este assunto. Se Sean não pudesse obter um protótipo pronto com a equipe após todo esse tempo, então Sean estava fora.
Ponto final.

Ele tinha lhe dado tempo suficiente para fazer o seu trabalho maldito. O motor estava concluído, testado e pronto para ir. E os resultados e diagnósticos provaram que era mais forte e mais rápido do que o modelo original. Ele se recusava a deixar que alguém soubesse o verdadeiro poder que conseguiu projetar no motor. Ele esconderia isso até a revelação oficial. Esse anúncio estava indo para levantar a barra e fazê-los notícia de primeira página nos setores automotivos - supondo que Sean conseguisse obter a porra de um protótipo que poderia suportar o tamanho e peso do motor e ainda ter as mesmas linhas elegantes como o primeiro modelo.

— Entre. — Ele estalou em resposta às duas batidas na porta. Talvez Sean tivesse chegado cedo para a reunião.

— Ouvi dizer que você precisa de algo que vá fazê-lo sorrir.

Wangji o olhou e toda a tensão evaporou do seu corpo enquanto Wuxian aproximava.
Ele estupidamente se levantou e caminhou em sua direção.
Com apenas um passo entre eles, ele estendeu a mão e segurou o rosto de Wuxian, puxando-o para um beijo, inclinando a cabeça e devorando sua boca como um homem desesperado. Um gemido lhe escapou, um braço forte e grosso enrolou-se na sua cintura e uma mão firme segurou seu queixo, prendendo-o no lugar. Ele estava tonto, cedendo a Wuxian enquanto eles passeavam entre tenro e feroz, nenhuma das duas coisas aparentemente os satisfazendo.

Wangji desacelerou o beijo, puxando o lábio de Wuxian entre os dentes quando se afastou.

— É bom vê-lo também. — Disse Wuxian, sugando seu lábio inferior como se ainda estivesse saboreando seu gosto, nunca quebrando o contato visual.

Wangji gemeu.
— Porra. Não faça isso. — Ele passou os dedos pelos cabelos, achatando os lados na esperança de parecer um pouco apresentável.

Wuxian riu e estendeu a mão, fixando o cabelo um pouco acima dos ouvidos e têmporas de Wangji. — Você está perfeito. Pare de agitação.

— Você é o único que não quer que ninguém saiba sobre nós.

— Eu não tenho vergonha de nós. — Wuxian franziu a testa. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e olhou para longe.

— Eu sei. Você quer ganhar o seu lugar, e quer que as pessoas o respeitem pelo que você é, não porque você está comigo.

Wuxian olhou para ele com um sorriso triste. — Isso é... bobo. Certo?
— Não. De modo nenhum. É realmente muito inteligente. Eu não acho que um monte de gente gosta de mim aqui. Então você está fazendo um favor. — Wangji suspirou.
— Eles não conhecem você.
— Eles provavelmente me odeiam.

— Eles não odeiam. Você tem algumas ótimas pessoas aqui que amam seu trabalho e convivência. Eles só não conhecem você. Você fica enfiado neste escritório. Mesmo as reuniões do conselho são aqui. Você é o primeiro a chegar e, provavelmente, o último a sair.
Wangji afastou-se, voltando para sua mesa. — Se eles odeiam o chefe, eles vão sair.
— E se eles adoram o seu patrão, eles vão ficar, serão leais e irão querer fazer o máximo que puder.

Wangji suspirou. — Wuxian…

— Não, você vai ouvir. — Wuxian caminhou até ele e colocou uma mão em seu peito.
— Deixe-os ver o Wangji que eu vejo. Isso não é a escola, onde você será intimidado ao redor, e ninguém vai tentar socá-lo para fazer sua lição de casa. Algumas dessas pessoas têm respeito por você. Eles o respeitam por causa de sua mente e como você mudou as coisas na indústria. Eles querem ser parte disso. Eles não te odeiam. Tenho certeza que algumas pessoas têm medo de você.

— Por que elas iriam ter medo de mim?
— Porque você é o chefe que não conhecem e pode demiti-los num piscar de olhos.
— Eu não iria demitir alguém sem causa. Além disso, eu não gosto da ideia de deixar alguém sem uma renda. — Ele não podia ajudar o modo como sua mente sempre voltava para Wuxian quando eles eram crianças, e quanto ele lutou sem estabilidade financeira.
— E se eles conhecessem você, saberiam disso. Saia. Interaja com eles. Eu acho que eles te amariam se você lhes desse uma chance.
— Vou pensar sobre isso.

Wuxian zombou e se afastou. — Claro que você vai.
— Nós temos o nosso fim de semana chegando.

— Forma suave de mudar o tema.
Wangji sorriu.
— Vou fazer um trato.

Wangji inclinou seu quadril contra a borda da mesa. Ele adorava a maneira como a mente de Wuxian trabalhava. — Estou ouvindo.
— Você interage com algumas pessoas. Algumas pessoas com quem você normalmente não interage e eu vou chupá-lo a cada nova pessoa que encontrar.

Wangji jogou a cabeça para trás e riu. Sua risada diminuiu para um sorriso, então ele suspirou, apreciando o sorriso no rosto de Wuxian.
— Você vai me chupar de qualquer maneira.

Wuxian deu de ombros.
— Verdade. Mas eu vou trabalhar duro. — Disse ele, balançando as sobrancelhas.
— Como você vai saber?
— Você está de brincadeira? Eu vou ouvir sobre o aparecimento do chefe misterioso. Eu posso te prometer isso. Pisos de concreto não podem abrandar a fofoca de escritório.

Wangji cruzou os braços. Ele nunca fez bem com as pessoas. E ele não negaria que usava seus músculos e reputação da empresa quando necessário, mas tentava não abusar disso.

— Basta experimentar, Wangji. Você não vai se arrepender.

Ele não teve a chance de responder quando a porta do escritório se abriu. Ele se afastou da mesa à visão de Sean com uma expressão indecifrável no rosto.

Wuxian virou-se, franzindo a testa.
— Quem é você? — Sean perguntou em um tom estranho.
— Bem, não é um pequeno raio de escuridão? — Wuxian cruzou os braços e endireitou os ombros largos.
Wangji inclinou a cabeça, lembrando-se dos comentários de Taylor e... a sugestão para um desenvolvimento de protótipos mais rápido.

— Sean. — Disse ele, esperando que os punhais atirando dos olhos de Sean cessassem. — Pise com cuidado.

Sean ficou imóvel, depois voltou seu foco para Wuxian.
— Sou Wuxian. E você é?
— Sean Dempsey. É seu o carrinho de correio lá fora?

Wuxian suspirou, obviamente, sentindo a necessidade de Sean por um jogo de poder.
— Sim. Você está no departamento de design.

Certo?
Sean olhou de Wuxian para Wangji. — Como... você sabia quem eu era?

— Correios. Lembra? Eu sei todos os nomes aqui.

Wangji mordeu o lábio para esconder um sorriso, agradecido que Wuxian se segurou por conta própria.

— Você já terminou aqui? Eu tenho uma reunião com Wangji.
Wuxian respirou fundo e se acalmou. Algo visivelmente deslocou nele e dissipou a bravata do velho Wuxian que tinha aparecido apenas momentos antes. Ele engoliu em seco e assentiu antes de desculpar-se e caminhar para fora do escritório, fechando a porta atrás de si.
Porra.
Sean se virou, escondendo um sorriso.
De jeito nenhum que esse pequeno filho da puta iria pensar que ganhou sobre Wuxian. Ele só queria gritar a partir do telhado do edifício para toda a sua equipe e deixá-los saber que ele e Wuxian eram parceiros, em todos os sentidos.
— Primeiro. — Wangji começou não dando a Sean uma chance de falar. — Se você desrespeitar alguém nesta empresa novamente, você está demitido.

Os olhos de Sean arredondaram. — Mas...
— Segundo. Sempre que você pretender entrar no meu escritório, você bate.
— Mas você estava me esperando e Mia não estava em sua mesa. — Disse ele em uma corrida de palavras.

— Então você se senta e espera por ela. Terceiro. Eu não aprecio você bisbilhotando minhas conversas. — Disse Wangji com um olhar aguçado. Sean podia negar tudo o que quisesse, mas essa era a única maneira que ele teria ouvido Wuxian usando seu apelido.
— Você entendeu?

Sean rapidamente concordou.

— Você tem o protótipo pronto?

Sean ficou boquiaberto. — Ainda não.

— Se essa é a única atualização que você tem, estamos terminados aqui.
Sean assentiu e se virou para sair.

— Mais uma coisa.
Ele virou-se e esperou.
— Você me trata como Sr. Lan, todos. Compreendido?

Sean assentiu rapidamente e deixou seu escritório, correndo para longe.
Wangji puxou seu telefone celular fora de sua gaveta de cima e rapidamente digitou um texto. Volte ao meu escritório.

Ele esperou por um momento, tocando a borda de seu telefone até que a resposta de Wuxian veio. Eu tenho trabalho. Você tem uma reunião.

Wangji digitou rapidamente uma resposta. A reunião acabou.
Ele não teve que esperar mais do que alguns segundos antes de a resposta de Wuxian aparecer. O trabalho não. Conversamos depois.

Wangji suspirou. Ele não estava jogando este jogo. Ele discou o número de Wuxian e esperou.
— Não agora. — Wuxian respondeu após alguns toques.

— Ele não tinha o direito de falar assim com você. — O silêncio na linha era inquietante.
— Wuxian?

— Eu não gostei dele chamando você de Wangji.

Wangji fechou os olhos e entreabriu os lábios em uma expiração, seu batimento cardíaco levantando seu ritmo na possessividade na voz de Wuxian. — Ninguém me chama assim. Eu estou supondo que ele ouviu a nossa conversa.

— Que vergonha que o filho da puta não ouviu a parte sobre eu chupando você.
Wangji mordeu os lábios, apreciando o pico de ciúme um pouco mais do que deveria.
— É você, Wuxian. Só você. Nunca se esqueça disso.

O suspiro de Wuxian ecoou pela linha. — Sim, eu só queria que você não tivesse esse pequeno tubarão de merda circulando a água ao seu redor. Eu não gostei do jeito que isso me faz sentir.
— Como isso faz você se sentir?
— Que tal eu te mostrar neste fim de semana?
Wangji riu.

— Você não vai rir quando não puder andar na segunda de manhã. Eu sou o garoto-propaganda para a frustração sexual.
— Quero o nosso fim de semana. Quero o momento onde é só você e eu. E, Wuxian?
— Sim?
— Eu quero você. Só você.

Wuxian suspirou novamente. — Eu odeio quando algum idiota me faz questionar isso. Eu sinto muito.
— Não se desculpe. Ouvi dizer que você tem um fã clube. Eu estou... não sei como me sinto sobre isso.

Wuxian riu. — Esta é a parte onde eu digo a você que eu quero você e só você. E nunca vai ser ninguém além de você.
— Somos um caso perdido.
— Ainda bem que temos um ao outro, então.

Wangji sorriu. — Você sempre tem a mim.

— Eu tenho que ir. Ainda tenho um monte de andares para correr e eu não quero foder isso.

— Vou vê-lo hoje à noite. — Ele desligou o telefone e respirou fundo. Ele se recostou na cadeira e virou-se para olhar para fora da janela. Ele precisava de seu fim de semana juntos, tanto quanto precisava do ar em seus pulmões. Logo, Wuxian seria oficialmente livre e eles poderiam estar juntos da maneira que eles foram feitos para ser - sem se preocupar que o menor passo em falso pudesse arruinar sua chance de para sempre.

Talvez, então, um pouco da tensão interminável vibrando através de seu corpo iria aliviar.


(...)