Um homem digno

19

DEZENOVE

Wuxian passou a mão pela página, esboçando as linhas mais escuras em seu desenho. Ele apertou os dentes no lábio inferior quando acrescentou uma pequena sombra, aproveitando o papel texturizado no caderno de esboços que Wangji havia lhe dado. Ele odiava aceitar presentes, mas não podia resistir à coceira para desenhar novamente ou negar a excitação no rosto de Wangji quando ele realmente aceitou o presente.
Ele olhou para os lápis aleatórios que reuniu de Yao e Mingjue na mesa de café, procurando por uma cor de chumbo mais forte, que lhe deu o bom ponto que ele precisava para os detalhes que queria acrescentar. Ele nunca teve lápis reais de arte para trabalhar, mas lápis padrão de diferentes marcas e tipos sempre parecia funcionar muito bem para seus esboços. Ele pegou outro lápis em sua mão oposta e trouxe o bloco de esboço mais alto em seus joelhos, mudando de um lápis para o outro até que tivesse o equilíbrio certo de sombra e detalhes que queria. Ele endireitou os braços, segurando o desenho na sua frente para inspecionar os detalhes.
Ele segurou um sorriso.
Maldito perfeito.

Ele pegou um lápis diferente da mesa e acrescentou mais alguns toques. Ele olhou para o relógio da parede. Seu pulso acelerou, percebendo que Wangji deveria chegar em cerca de dez minutos. Ele finalmente deixou o sorriso escorregar, agradecido por sempre parecer perder o tempo ao esboçar. Fez uma nota mental para desenhar algo para ajudar a passar o tempo todas as noites antes que Wangji chegasse. Com certeza, afundaria o chão na casa com seu ritmo enquanto esperava sua chegada.

— Wuxian, alguém está aqui para vê-lo. — Gritou Ryan da entrada da frente.
Wuxian fechou o bloco de desenho e colocou-o na mesa. Talvez Wangji mandou seu motorista levá-lo para a casa hoje, em vez de dirigir-se e estacionar no lote de trás? Ele saltou do sofá e se dirigiu para a porta da frente, rindo, perguntando-se se a chegada antecipada de Wangji significava que ele estava ansioso por seu tempo juntos. Era como se eles tivessem voltado no tempo, conhecendo-se e descobrindo quais velhas peculiaridades ainda estavam em vigor e descobrindo novas coisas. E ele não negaria que se apaixonou por Wangji novamente.
O sorriso se derreteu no rosto e seu coração golpeou contra seu peito. Olhos que refletiam sua forma e cor olharam para ele.

— O que você está fazendo aqui? — Ele perguntou, sua voz dura e seu tom um pouco grosseiro por segurar a tormenta de lembranças inundando sua mente.
Cada sucesso.
Cada grito.
Todo nome e palavra repugnantes vomitados nele.
— É essa uma maneira de falar com seu pai?

Os anos de álcool obviamente obtiveram seu impacto. Sua coloração tinha uma leve tonalidade amarela que não tinha estado lá antes, e seus dentes haviam ficado de alguma maneira cinza ao longo dos anos, escurecendo o sorriso dele. As rugas em seu rosto haviam se aprofundado e fios prateados agora coloriam seus cabelos, mas ele ainda carregava sua altura e forte quadro com intensidade. Não era um pesadelo de infância. Seu pai era, de fato, o monstro alto e forte que ele havia lembrado e esperava esquecer.
— O que você quer? — Wuxian perguntou, suas mãos apertando os punhos em seus lados.
— Eu ouvi que você estava fora. Eu queria ver meu filho.
— Chocante. Lembro-me de você me expulsando no meu décimo oitavo aniversário. Por que o interesse súbito?

O homem mais velho gargalhou e o cheiro de álcool em sua respiração fluía para Wuxian, roçando seu estômago com desgosto. O homem deu um passo à frente, atravessando o batente da casa de recuperação. — Porque eu não sou um idiota, menino.

Wuxian olhou fixamente, congelado no lugar. Ele apertou os punhos mais apertados, seus dentes doíam por morder tão forte.
Seu pai deu outro passo à frente.
— Eu ouvi que seu... namorado está indo bem. — Disse ele, incapaz de esconder sua aversão.
Wuxian se recusou a responder.
— As crianças não devem cuidar dos pais quando envelhecem?