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Quatro

Wuxian respirou fundo novamente, deleitando-se com o silêncio durante o resto do caminho até a casa de recuperação enquanto processava tudo que Wangji havia dito nas últimas horas. Nenhuma palavra foi dita nas últimas duas horas, mas um tipo diferente de silêncio se instalou entre eles, quase um entendimento na ausência da tensão que era tangível desde que saíram da prisão.

A noite já havia caído quando eles pararam no estacionamento traseiro de uma grande casa imprensada no que parecia ser um distrito comercial.  Ele puxou a caneta da lombada espiral do caderno, fez uma anotação rápida na capa interna e fechou-o novamente.
Wangji mudou o carro para estacionar e permaneceu sentado enquanto o carro estava parado.
— Essa foi considerada nossa primeira luta? — Wuxian perguntou, quebrando o silêncio.

— Não sei.  Nunca gritamos um com o outro e não quero começar agora.

Wuxian se acalmou. A tensão era menor, mas o ar entre eles estava longe da tranquilidade reconfortante que ele lembrava, pontuando o abismo crescente que ameaçava mantê-los separados.
— Por que você não me contou? -  Wangji apoiou a cabeça no encosto para encará-lo.  — É o seguinte? — Wuxian olhou para o caderno em sua mão, sacudindo a borda com o polegar.  — O que seu tio fez. Você nunca mencionou que ele rejeitou você.  Ele olhou para Wangji.  — Por que você não me disse que estava sozinho?

— Você não me veria.

— Mas você não incluiu isso em nenhuma das cartas. — Wuxian desviou o olhar, remexendo novamente no caderno.

— Eu não queria que houvesse nada negativo.  Imaginei que era difícil estar lá dentro e não queria arriscar dizer nada para piorar as coisas. Achei que focar nos nossos momentos, nas lembranças… nas coisas positivas seria melhor. Achei que isso poderia... ajudar.

Wuxian olhou para cima, olhando pelo para-brisa para a casa que seria sua casa nos próximos meses.
— Você não me contou sobre a linha de carros. O que você inventou. Você não me contou sobre mudar seu nome — ele disse, distante. Havia tanta coisa que havia mudado e tanta coisa que ele não sabia. 
Cada carta de Wangji relembrava algum momento de seus anos juntos. Cada carta era positiva, feliz e leve, mas quase não mencionava os acontecimentos atuais, especialmente os que mudaram vidas. Ele ansiava por conhecer os marcos, mas sentia falta de pequenas coisas: se Wangji ainda odiava tomates em sua salada, se ele ainda odiava usar qualquer coisa laranja ou vermelha, se a rara brisa fresca que batia em seu rosto ainda o fazia sorrir.

— Escolher seu nome teria levado você a pensar em algo...—

— Wangji, não. — Disse Wuxian em uma reprimenda, virando-se para encará-lo novamente.  — Nós dois nós seguramos aqui. E admito que estraguei tudo por não lhe enviar cartas ou não receber sua visita. Eu tive meus motivos, mas... — Ele balançou a cabeça, precisando dissipar os milhões de pensamentos que corriam por sua mente.  Nada do que ele escreveu saiu certo.  Ele não podia mentir para Wangji, e escrever uma carta dizendo que estava tudo bem era uma besteira completa e total.  Além disso, Wangji perceberia isso.  Ele sempre fez isso. E não havia nenhuma maneira que ele quisesse que Wangji realmente o visse como aquele “bandido” estereotipado que todos diziam que um dia acabaria na prisão.  Ele nunca quis provar que alguém estava errado em sua vida. Ele respirou fundo, na esperança de acalmar os pensamentos negativos que lutavam por atenção. 
— Por que você não me contou sobre a linha de carros? Isso é uma coisa enorme.  Isso é ótimo. Eu teria imaginado que você teria se gabado disso indefinidamente.

Wangji se encolheu. 
— Eu não queria que você pensasse que eu estava esfregando alguma coisa no seu nariz. Quero dizer... você ficou preso enquanto eu estava fora…

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