Um jantar sangrento

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O jantar foi preparado por Eric e Kevin, mas apenas Younghoon comeu de verdade. Jacob, por pura educação, tentou algumas mordidas do pernil. Haknyeon, embora não tivesse a necessidade de se alimentar daqueles pratos, demonstrou o quanto apreciava mastigar. Os outros vampiros beberam, pois gostavam do álcool, mesmo que não conseguissem o mesmo efeito de embriaguez dos humanos. Depois de muitos copos de vinho e destilado a sensação ébria era nada mais que uma tontura gostosa. Mas também havia duas ou três garrafas escuras que circulavam sobre a mesa. Era sangue, engarrafado como vinho.

Chanhee fez os vampiros se vestirem de forma alinhada para o jantar. "Devemos mostrar o mínimo de respeito e elegância. Essa é uma situação formal, que exige isso".

Embora soubesse que Chanhee era sábio para muita coisa, Juyeon achava que ele mantinha certas tradições desnecessárias. Aquela específica também irritava Sangyeon, pois ele não sentia inteiramente confortável em manter os costumes que tinha em meados do século XIX, quando o Covil não passava de um trio de imortais. Mas era verdade que ficava impecável num terno bem alinhado. Todos os outros também, aos olhos de Younghoon, principalmente Juyeon, que vestia um blazer escuro e tinha seus cabelos igualmente pretos penteados para trás. Por um instante o Kim se sentiu deslocado por estar tão despojado, usando a jaqueta de Juyeon, cheia de patches e rasgos.

Era uma mesa longa para que coubessem todos. Chanhee sentava numa ponta e o Kim sentava em outra, por vezes se encaravam, examinando um ao outro. Juyeon e Eric ficaram ao lado do repórter e os outros ocuparam o espaço entre os vampiros mais novos e os mais velhos.

O repórter não teve escrúpulos em se alimentar. Afinal, se os outros quisessem realmente sua morte, ele não teria sobrevivido a primeira noite. Comeu da carne, das ervilhas, do vinho. Foi um dos melhores banquetes de sua vida. Talvez até o único, dado a sua vida simples.

Percebeu naquele momento que o Covil possuía bastante dinheiro, talvez pelo acúmulo dos séculos e pela necessidade que sempre tiveram de barganhar a própria existência anônima com o mundo humano. Aquele jantar poderia ser uma das poucas ocasiões que ostentavam seu poder aquisitivo e ainda assim, o faziam para si mesmos. Mas dessa vez, para Younghoon também. O repórter se perguntou quantos outros humanos já estiveram onde ele estava. Quantos estariam se borrando de medo, tão diferentes de si, tão desprovidos de uma astúcia como a dele.

O Kim aproveitou do seu privilégio para confirmar as informações que teve até então sobre o Covil. Pareceu até uma segunda entrevista, desta vez com todos os vampiros presentes. Chanhee lhe confirmou as falas de Juyeon, lhe contou sobre a maldição infernal com mais detalhes, assim como fez sobre as regras do Covil. Todas eram bem focadas na proteção contra os humanos, de forma que eles evitavam até o último caso, se alimentar fora do prédio, sair sem se alimentar, ou revelar a verdadeira natureza de seus corpos.

Younghoon finalmente entendeu como Juyeon havia sido problemático desde sua transformação, quebrando muitas daquelas regras. Compreendeu um pouco da raiva que Sangyeon direcionou a ele mais cedo. Juyeon era muito diferente de Eric, os dois eram como opostos complementares. Um desafiando todos os limites do próprio grupo, o outro sendo justo com eles. Não era apenas neles dois que o repórter encontrava esse contraste.

Podia não haver vida ali no Covil, mas havia amor e a sincera tentativa de sobreviver longe dos julgar covarde dos seres humanos e dos descrentes. Ainda que os membros discordassem entre si, preferiam a compreensão que a agressão. Era o que Younghoon sentia ao ver Chanhee tocando a mão de Sangyeon no outro lado da mesa, fazendo menção em acalmar seus ânimos, enchendo seu copo com mais sangue.

Uma melancolia atingiu o coração do repórter e ele se agarrou a ela. Seu gravador foi escondido, sua câmera era inútil, e suas palavras escritas numa coluna de jornal nunca seriam suficientes para convencer os outros de seu tipo de que aquele lugar não era ruim. Pelo menos não para ele.

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