capitulo 2.

10 4 0
                                    


6 meses depois, as coisas pareciam ter voltado ao normal. Minha mãe me tratava com a mesma indiferença e crueldade de sempre, o que não me surpreendeu. Não esperava que me tratasse diferente depois da morte de Camilla. Da minha mãe, eu só esperava o pior.

Durante esse tempo, fui ao quarto dela várias vezes, mas nunca tive coragem de entrar no banheiro. As roupas estavam lá, os lençóis bem colocados, e o cobertor remexido, exatamente como ela deixou. Ver o quarto daquela forma familiar me dava a esperança de que ela fosse voltar, de que iria bater na porta da frente e mandar que eu fizesse as malas. Nas minhas fantasias, ela me salvaria desse inferno.

Fechei a porta do quarto dela e desci as escadas barulhentas. Eu odiava aquela casa velha, odiava seu barulho, seu cheiro, sua cor e suas memórias. Fui à cozinha onde tive a visão da minha mãe no cômodo da frente, vendo TV e bebendo algo. Eu poderia morrer ali, e ela não notaria, para ela, eu era um nada, um vazio. Eu era a parte dela que ela mais odiava. Não é à toa que Camilla teve que morrer para minha mãe se referir à mim como "filha".

Peguei um prato e preparei um sanduíche de geleia, sentei-me e comecei a comer. Pude jurar que ouvi um murmúrio. Eu sempre ouvia esses murmúrios, mas ignorei, até que um copo foi jogado na minha direção.

Não me ignore quando eu falo com você! — Disse minha mãe gritando.

Eu não lhe ignorei, mãe. Eu não te ouvi, peço desculpas. — Tentei dizer de forma calma, como se não estivesse tremendo de susto. Pude sentir o cheiro do álcool pelos estilhaços de vidro no chão.

Ora, não minta para mim. Você é igual ao canalha do seu pai. Você me ignora de propósito. Se me ouvisse, não seria esse fracasso. — Ela disse enquanto subia as escadas indo para o seu quarto.

Eu tinha 15 anos.

Eu tinha 15 anos e já era, aparentemente, um fracasso. Eu não a ouvia, nisso ela estava certa. Quem ouvia minha mãe era Camilla, e hoje ela está morta. As palavras de minha mãe a mataram. Como ela ousava dizer que eu a deveria escutar?

Na cabeça da minha mãe, eu era perversa. Eu tinha como objetivo deixar a vida dela miserável. Às vezes acredito que ela não caía em si e percebia que eu era apenas uma criança. Eu não escolhi viver naquela casa, muito menos escolhi ela como mãe.

Nem se eu quisesse, eu poderia fazer de você uma miserável, mãe. Você já era. Você me odeia porque não dou meu sangue e suor para ouvir um "obrigada" da sua boca. Você me odeia porque quem morreu foi ela, e não eu.

Foi ali, naquela cozinha, chorando de ódio com as mãos trêmulas, que eu sabia que devia fazer algo.

Alma FamintaOnde histórias criam vida. Descubra agora