Você acredita em Deus?
Enquanto comíamos panquecas e observávamos a parede do meu quarto, Amélia quebrou o silêncio confortável.
— Você acredita em Deus? - perguntou ela.
Não sabia como responder. Deus sempre esteve presente em minha vida, sua imagem sempre rondou meus pensamentos, e minhas noites sempre foram encerradas por orações.
Mas será que eu realmente acreditava?
— Não precisa responder se não quiser... Acho que foi uma pergunta invasiva. - Amélia disse, timidamente.
— Não sei. - Respondi, friamente.
Ela me encarou, com dúvida nos olhos.
— Não sabe?
— Deus foi o único constante em minha vida. O único que realmente me ouviu. Mas, se ele existe, por que ainda me sinto tão sozinha? - Disse, sem perceber que talvez estivesse indo longe demais. - Por que sinto que minhas orações não chegam até ele? Você acredita?
— Sinceramente, é reconfortante pensar que alguém olha por mim todas as noites. Que protege a mim e minha família. Mas Deus ainda é um homem, e eu temo a crueldade dos homens. - Respondeu Amélia, encarando o teto rachado. Parecia falar por experiência própria.
Concordava com ela. É reconfortante saber que um homem te protege a todo minuto, e é mais reconfortante ainda saber que este mesmo homem está longe demais para alcançar você. Pode formar seu destino, mas não por as mãos em você.
— Minha mãe sempre foi muito religiosa. Você sabe, orações antes das refeições, missas aos domingos e a regra ridícula de não comer carne vermelha em dias aleatórios. - Suspirei. - Mas nunca me dei o privilégio de saber se eu acredito nisso, ou se apenas sigo cegamente para agradar minha mãe.
— Sei que sua relação é complicada. Mas em algum momento acreditar em Deus tornou isso mais fácil? - Perguntou Amélia, sem maldade alguma.
De repente, fui dominada por uma onda de náusea. Deus nunca fez com que minha mãe me amasse. Nunca ouviu minhas preces pedindo para que o abuso parasse.
Deus nunca me ouviu. Talvez porque não exista.
— Louise...? Louise, está tudo bem? - Amélia perguntou.
Lágrimas salgadas desciam pelo meu rosto. Como pude dedicar minha vida a uma crença falsa? Como tive coragem de fingir algo que não era para todos? Foi preciso um comentário óbvio de Amélia para que eu chegasse à conclusão.
Deus não existe. E se existe, não se deu o trabalho de mostrar misericórdia. Nem a mim, nem a Camilla.
Nem a Camilla.
Fui interrompida por um calor repentino, por uma sensação confortável. Amélia havia me abraçado.
— Acho que não tem problema acreditar ou não. Se Deus não te ouviu, eu vou ouvir. Se ele não quer te ajudar, eu vou. Deus é apenas uma ideia, e as pessoas são quem realmente importam. - Ela disse, soltando-me de seus braços.
Queria que Deus, uma figura que conheço desde o início da vida, tivesse tido a mesma empatia que Amélia, uma garota que conheço há poucos meses, teve.
Ela me entende. Ela sabe das minhas lutas e dos meus medos, e mesmo assim me abraçou e chorou comigo. Não houve julgamentos, nem ameaças de fogo eterno.
Se Deus existe, ele deveria ser como Amélia. Deveria ter sido como Camilla. Talvez mais pessoas o adorassem.
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Alma Faminta
ChickLitLouise nunca foi amada do jeito que uma filha deveria ser, isso fez com que, desde cedo, sua alma almejasse por migalhas de afeto. Sua irmã mais velha, Camilla, era seu porto seguro, sua fortaleza. Era quem mais amava. Até que um dia, Camilla comet...