Sonhei que Amélia tinha asas.
Sonhei que Amélia me abraçava e fazia-me voar pra longe de toda aquela miséria, toda aquela sujeira que era a minha vida. Seus cabelos voavam de forma angelical, seus olhos brilhavam mais do que o comum.
Acordei me sentindo estúpida. Acordei no meu quarto estúpido.
O relógio marcava 7h43 da manhã, o que significava que minha mãe já havia saído para o trabalho. Levantei-me mais feliz em saber que teria a casa só para mim aquele dia.
Era a primeira segunda-feira do mês, uma semana antes das aulas começarem. Mamãe viajava a trabalho nesta altura, ficava 3 dias fora na cidade vizinha. Eu teria 3 dias de silêncio e paz.
Fui ao banheiro tomar um banho quente. Me despi, olhei-me no espelho e conseguia ver Camilla sorrindo atrás de mim, eu sabia que ela não estava de fato ali. esfreguei os olhos para que ela sumisse.
Limpa e aquecida, abri as cortinas tendo a sensação da luz fria da manhã invadindo meu quarto. Estava faminta e, como mamãe não estava em casa, resolvi fazer algo no qual minha mãe detesta.
Fiz panquecas com calda de amora.
Mamãe detesta coisas doces e coloridas, acho que a amargura do seu ser correu tudo que havia de bom e feliz naquela mulher. Eu não era permitida de fazer esse tipo de refeição no café da manhã, mas ela não estaria aqui para me atirar um prato ou gritar comigo. Eu comeria a melhor panqueca de amora da minha vida.
Uma vez me disseram que tudo o que é proibido tem um sabor mais doce. E eu realmente precisava de algo doce aquela manhã.
Com farinha espalhada pelo balcão e pelo meu avental, meu cabelo mal preso e o cheiro de amora espalhado pela cozinha, a campainha tocou. Eu definitivamente estava em pânico.
Mamãe esqueceu algo. Mamãe teve uma folga inesperada. Mamãe perdeu o trem. Mamãe sentiu-se mal e voltou. Mamãe...
— Louise? Você está em casa? - Uma voz abafada e familiar atravessou a madeira da porta.
Amélia estava na porta.
Corri e tropecei no tapete da sala, abri a porta de forma afobada, farinha nas mãos e fios de cabelo pelo rosto.
— Amélia! Oi! - Disse eu assoprando a franja para o lado. — Eu realmente não esperava visitas agora...
— Oh meu Deus Louise, mil perdoes! Eu deveria ter te avisado. Ai meu Deus me descul... - Ela disse e eu a interrompi
— NÃO!! Não foi minha intenção soar assim hahaha, você é mais que bem vinda aqui Amélia, é que eu teria pelo menos lavados as mãos. - Eu disse com medo de soar rude novamente.
— Ah... Bom, eu queria apenas perguntar se gostaria de fazer algo comigo hoje. Minha mãe está num grupo do livro agora, meio que estou entediada. - Amélia disse isso de forma sem graça, como se realmente estivesse me atrapalhando em alguma tarefa importantíssima.
— Com certeza! Oh, sim! Venha, entre. Estou fazendo panquecas. - Disse eu animada.
Ela retirou as botas na entrada, pendurou seu casaco e pegou algo em sua bolsa.
— O que é isso? - Disse curiosa, encarando a caixinha colorida em suas mãos.
— Eu... É... Eu tenho essas fitas em casa, são músicas que eu gosto bastante, achei que poderíamos ouvir juntas. Tudo bem se não quiser, claro. - Ela disse tímida.
Naquele momento, meu coração esquentou e caiu sobre a sensação de ser querida por alguém. A sensação de ser lembrada com carinho conseguiu deixa um gosto doce na minha boca, doce o suficiente para repensar de realmente queria aquelas malditas panquecas.
— Eu quero. Quero muito. - Disse com um sorriso sincero. Ela sorriu de volta indo colocar a fita no aparelho da sala.
— Gosta de panquecas, certo?
— Sim! Adoro panquecas. - Ela disse sorrindo.
Enquanto ela descobria como usar meu aparelho toca fitas velho e ultrapassado, terminei as panquecas e limpei a cozinha.
— Se importa de eu tomar um banho rápido? Acho que tem farinha nos meus ouvidos... - Disse fazendo um bico infantil.
— Tem farinha no seu pescoço também, hahahaha. Não me importo, eu que pergunto na verdade. Onde eu posso ficar enquanto isso? - Ela disse brincalhona
— Ora, em qualquer lugar. Se quiser ficar aqui, no quarto ou no telhado... Sinta-se em casa. - Disse eu com um riso nasal.
— Bom, ficarei aqui tentando desvendar esse aparelho. - Ela disse destemida.
Assenti e subi para o meu quarto. Me despi e entrei logo no banho, me atentando bem em tirar a farinha e os respingos de calda de amora de mim.
Coloquei um pijama amarelo, meu terço de ouro e minhas pantufas. Escovei meu cabelo e usei um creme para o corpo. Descendo as escadas pude ouvir uma melodia gostosa.
— Arrá! Você está aí. Eu consegui colocar a fita. - Ela parecia orgulhosa.
— Gostei da música! Venha, vamos comer.
Naquele dia, Amélia e eu criamos mais um laço. Partilhamos intimidades, risadas e segredos.
— Eu sei que parece cedo demais, mas acho que te conheço de outras vidas. - Disse Amélia após uma das nossas crises de riso.
— Eu também acho Lia, eu também acho... - Disse com um sorriso largo e genuíno.
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Alma Faminta
Literatura FemininaLouise nunca foi amada do jeito que uma filha deveria ser, isso fez com que, desde cedo, sua alma almejasse por migalhas de afeto. Sua irmã mais velha, Camilla, era seu porto seguro, sua fortaleza. Era quem mais amava. Até que um dia, Camilla comet...