Capítulo 1

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18 de dezembro, 1894

O sol carioca estava implacável naquela tarde de verão. Três da tarde, mas assemelhava-se ao escaldante meio-dia. Uma brisa leve atingiu o rosto de um pintor, que estava isolado em seu quarto. Janelas abertas, deparando-se com o pequeno jardim da sua mãe. Madressilvas amarelas. 

Os olhos cor de mel se estreitaram com a luz do sol. Os movimentos do pincel eram rápidos e precisos, cobrindo a tela imaculada com grossas camadas de tinta, usando a técnica do impasto. Quem visse de longe, acharia que eram apenas manchas amarelas e azuis pela tela. Cores puras e sombras usando tonalidades semelhantes. Nenhuma mistura. 

Kelvin suspira, sentindo o mormaço o atingir e repousando o pincel em um pedaço de jornal por algum tempo. Afastou-se da tela, sorrindo minimamente ao ver o resultado que desejava. 

A pintura estava longe de ser realista, de acordo com o padrão da Academia de Belas Artes. Se observada atentamente, as imagens eram distinguidas de acordo com um jogo de luz e sombra. Pontos tornavam-se em linhas e manchas formam imagens que pareciam ser capturadas por visão embaçada. Era uma visão cotidiana, capturada de acordo com o momento, sem preocupação com a perfeição exigida da maioria dos artistas. 

A vida não precisava ser representada com perfeição. Afinal, estava longe de ser perfeita. Era assim que o jovem artista, Kelvin Santana, pensava sobre suas obras. 

O calor estava insuportável. Seu quarto localizava-se em uma região não muito favorável da mansão. O sol sempre arranjava uma forma de encontrar seus aposentos e despejar todo o seu calor indesejado. 

Kelvin tirou a camisa fina que já começava a grudar em sua pele. Olhou-se no espelho. Estava corado devido ao sol que atingia seu rosto durante a sessão de pintura. Os lábios cheios estavam ressecados, enquanto uma fina camada de suor começava a cobrir seu peito e pescoço. 

Torceu o nariz, enojado. 

Ignorando aquele calor enlouquecedor, respirou fundo. Apreciou o delicioso silêncio, interrompido apenas pela sua respiração. Havia algo melancólico em sua necessidade de quietude. Kelvin era extremamente sensível a sons. Cacofonias eram o motivo de sua loucura, bem como o excesso de pessoas em um determinado espaço. 

Tudo em excesso o irritava. Aliás, era difícil encontrar algo que não irritasse aquele jovem. Muitas vezes, até o ritmo de sua respiração o tirava do sério.

Batidas na porta interromperam a tranquilidade. Recolhendo sua camisa, olhou para a bagunça de seu quarto antes de vesti-la. Um cavalete no centro do quarto, uma mesa de cabeceira cheia de tubos de tinta, alguns respingos pelo chão, uma poça de água de coloração distinta e um cheiro forte infestando o ar, misturado com as notas do seu perfume doce. 

— Entre. — Falou. A garganta arranhava. Observou que permanece calado desde o almoço. 

A empregada entrou, cabeça baixa, desviando o olhar da roupa incomum de Kelvin: uma camisa branca de tecido fluido e alguns bordados que ele mesmo havia feito. Sabia bem o que estava pensando. Seu nome já estaria rolando na cozinha com todos os tipos de atrocidades e o uso da palavra "invertido" como xingamento. 

— O desjejum já está pronto, senhor. O jantar estará pronto em três horas. — Anunciou. As palavras pareciam sair com dificuldade. Seu sotaque ainda não havia se adequado ao português. 

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