Capítulo 2

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Kelvin não conseguiu ficar em casa nem por um minuto. A primeira coisa que fez foi lavar-se, verificando seu machucado. Trocou de roupa, vestindo as clássicas roupas masculinas, tendo como destino o palacete dos La Selva. 

Agora, aguardava em uma sala de estar reservada. Observou o cômodo tão conhecido, mas o excesso de estampas nos móveis e no papel de parede bombardeava seus sentidos. Respeitava a viúva Irene La Selva profundamente pela sua perspicácia e habilidade de driblar todas as más línguas da urbe carioca, mas estampas florais vibrantes? Imperdoável. 

Em um suspiro impaciente, mexeu no colarinho de sua camisa. A temperatura havia aumentado alguns graus, disso tinha certeza. Apenas queria saber qual pecado havia cometido em sua vida passada que justifique seu nascimento neste Estado do Brasil. Estaria bem melhor em sua querida terra portuguesa, tomando vinho do Porto, onde o verão era bem mais suportável. 

Antes que pudesse pensar em mais alguma reclamação — e, sinceramente, já estava dando algumas represálias a si mesmo, pois já sentia o sabor da amargura — Petra entrou na sala, acompanhada de Angelina, governanta da casa. 

Os cabelos negros estavam presos por grampos elegantes e seu vestido parecia um pouco apertado demais na cintura. A saia era volumosa, quase formando um círculo perfeito. Como ela aguentava usar aquilo? 

— Petra, querida! — Cumprimentou. O seu tom foi um pouco agudo demais, recebendo um olhar de soslaio da funcionária. Limpou a garganta, apenas levantando-se em um gesto de respeito à sua amiga — Feliz aniversário! 

— Há quanto tempo você não me visita, Kelvin? Há alguns meses? — Ela riu, educada — Agradeço as felicitações. 

— Não precisa exagerar tanto, minha amiga. No máximo semanas. Tenho estado tão ocupado com o meu trabalho na loja. Juro-lhe, nunca pensei que um negócio fosse sugar tanto as minhas energias! — Ele falou, observando os bolinhos que Angelina havia trazido — Obrigado, Angelina. 

A mulher apenas sorriu educadamente, permanecendo no canto do cômodo. Não era aceito na sociedade que uma moça solteira permanecesse sozinha com um homem, independente de sua reputação. 

Kelvin era dono de uma loja de artigos de arte. Além de algumas obras de pintores locais, vendia todos os materiais que os artistas pudessem precisar. Era uma das lojas mais completas que você poderia encontrar na Rua do Ouvidor. O jovem era sempre antenado nas notícias europeias, sempre em contato com correspondentes franceses devido à sua fluência na língua. 

— Imagino, sem dúvidas. Principalmente agora que toda a elite decidiu tentar se tornar artista. Como se arte fosse algo banal. Porém, melhor a elite do que as outras partes. — Petra retrucou, um pouco ácida. Seu sorriso cínico escondido por trás da porcelana portuguesa — Conseguiu obter os materiais que lhe indiquei? Tenho certeza que será um sucesso. 

Kelvin engasgou com o gole de café que tomava, repousando a xícara no pires e a olhando com deboche. A boca carnuda formava um meio sorriso. 

— Como você é diabólica, Petra. — Respondeu, tentando esconder seu contentamento com o comentário — Essa indireta teve algum nome específico em mente? 

— Ah, Kelvin, você tem um pensamento muito equivocado de mim. Nunca sonharia em falar algo do tipo de alguém! 

— Quem não te conhece, que te compre. — Retrucou, estalando a língua no céu da boca — Porém, respondendo à sua pergunta, consegui o que você recomendou e ainda um pouco mais. Além dos pincéis com suporte metálico que você recomendou, acabei descobrindo que há uma tendência crescente aqui no Brasil pela pintura ao ar livre. Trouxe algumas mesas portáteis e, ainda, o pincel da moda: o pincel chato. Já o testei. Faz maravilhas na pintura! 

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