24 de março de 1896
Sextas à noite sempre eram caóticas na região mais afastada da riqueza, mas todos pareciam estar ainda mais eufóricos em um cabaré da zona oeste.
O lugar estava decorado com algumas faixas douradas e vermelhas no teto e luminárias amarelas. Provavelmente aquela decoração permaneceria por um bom tempo, já que dona Cândida jamais desperdiçaria algo que traria benefício ao bar. As moças usavam seus melhores vestidos e os clientes bebiam mais sorridentes, provavelmente pelas bebidas pela metade do preço.
Uma música animada tocando, com a mistura entre violas, piano e algum outro instrumento que Ramiro não conseguiu identificar enquanto bebericava uma dose de conhaque. Ele absorvia a energia animada do ambiente, com suas luzes amareladas e o cheiro de álcool misturado com algum aromatizante de canela, chegando até a bater o pé no ritmo da música.
À sua frente, escondido em uma mesa no canto tal qual foragidos, estava Caio, seu meio irmão e melhor amigo. Ele já estava particularmente alterado, mas sóbrio o suficiente para analisar o amigo como se estivesse em uma psicoterapia. O cacheado já tinha desviado do tópico “ele mesmo” umas três vezes, disposto a travar até uma quarta batalha para não ter que destrinchar o que sente.
— Você deveria ter me avisado. — Caio protestou, balançando a cabeça em indignação enquanto virava uma dose de uma bebida translúcida — Você é um péssimo amigo.
— Você quis casar jovem por opção sua. Aliás, engravidar sua esposa com apenas dois meses de casamento também foi uma opção sua. — Ergueu uma sobrancelha, com um sorrisinho irônico — Anos de libertinagem não lhe ensinaram a tirar antes?
— Pode ir tirando esse sorrisinho ridículo da sua cara. Deveria estar sentindo por mim!
— Eu vou ser tio! Por que estaria triste? — Levantou seu copo, olhando para os lados, parecendo buscar alguma coisa — Mas você realmente está tendo problemas? Pensei que você e Aline eram perdidamente apaixonados.
— E ainda somos, mas quando as finanças entram dentro de um matrimônio, tudo desanda. Principalmente quando elas não são positivas. Estamos em uma situação complicada desde que fui deserdado, mas casamos mesmo assim. Agora com a gravidez, tudo está ainda pior. — Suspirou, olhando para a sua bebida, subitamente perdendo a vontade de degustá-la — Não é um caso perdido, já que eu tenho as minhas economias e ela ganha uma quantia razoável como costureira, mas certamente não são as condições ideias para uma criança.
— Se você precisar de ajuda com alguma coisa, você sabe que pode contar comigo. Consegui um dinheiro a mais com as exposições e estou equilibrado nas minhas finanças.
— Estranho seria se você não estivesse, Ramiro. — Brincou, arrancando uma risada do maior — Mas eu agradeço. É bom saber com quem posso contar…
Com isso, levantou o copo, propondo um brinde silencioso e ambos viraram suas bebidas, fazendo caretas sutis ao mesmo tempo. Mais uma vez, Ramiro olhou ao redor, desta vez até mesmo inclinando a coluna.
— Agora que já falamos de mim o suficiente e dos meus problemas conjugais. Vai me contar o motivo de estar parecendo um boneco de mola, se entortando todo, ou vou ter que adivinhar?
— Só gosto de estar alerta, principalmente em meio a bêbados irritáveis.
— Uhum. — Caio falou, olhando por cima do ombro de Ramiro e sorrindo ao falar — Olha como o aniversariante está bonito hoje!
Curioso, mas sabendo disfarçar suas emoções, ergueu as sobrancelhas e olhou para trás com um movimento rápido de cabeça, esticando-se para tentar ver melhor. A risada nasal de Caio foi suficiente para saber que havia sido um truque.
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Impressiona-me
FanfictionNo Rio de Janeiro do século XIX, dois artistas almejam um mesmo objetivo. Enquanto um sofre com as más línguas da urbe carioca e precisa de algo para usar como cortina de fumaça, o outro é constantemente atacado pelo veneno social. Uma exposição im...