1 ◈ JÚLIO

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Me sinto nostálgico. Mas isso não é novidade. Nos últimos meses tenho pensado muito sobre os últimos cinco anos, não sei bem o motivo, mas tenho pensado muito sobre como teria sido se eu tivesse escolhido um outro caminho. Essa sensação se amplia comigo estando sentado na beira da cama de solteiro olhando para as pilhas de livros que ocupam toda a escrivaninha, de uma ponta a outra — deve ter facilmente uns 200 livros um tanto quanto empoeirados.

  A época da qual eles vieram é uma das que mais sinto saudade. O último ano do ensino médio foi bom e muito marcante, e não nunca saíram dos meus pensamentos.

  Cinco anos atrás, as coisas eram bem mais simples, até um pouco fáceis. Minhas obrigações eram mínimas e minha liberdade quase ilimitada — pelo menos eu acreditava ser. Eu era o dono do mundo, poderia fazer o que quisesse; lutar pelos direitos de minorias, influenciar pessoas e decisões. Acho que todo mundo se sente assim, poderoso, antes de a vida vir e te dar uma rasteira. É um fato científico, nossa visão se amplia em momentos de susto e choque.

  Me lembro bem do quanto eu gastei comprando livros que nunca cheguei a ler, nem ao menos abri e senti o perfume das páginas — e fazer todas essas coisas estranhas que leitores fazem. Não sou um leitor, nunca fui, embora sinta uma certa vergonha por ter que admitir isso agora. Deixe-me explicar então o motivo de todos os indícios errados que posso ter dado.

  O último ano do ensino médio não é um dos meus favoritos à toa. Houve um garoto que me enlaçou de tal forma que me peguei dependente dele — meu humor dependia completamente de quantas vezes eu o via. Pedro, era seu nome — ou é, porque até onde sei ele ainda está vivo e, provavelmente, casado e tendo uma vida perfeita na qual eu não estou incluído, isso estranhamente ainda me incomoda.

  Fazíamos português, matemática e literatura juntos — essas eram disciplinas obrigatórias —, ele entrou no início do ano depois que seus pais se mudaram para São Paulo e, quando o vi entrar na sala de literatura, instantaneamente, me peguei vidrado nele. Em sua pele muito branca, em sua franja castanha que lhe caía sobre o olho esquerdo, olhos cor de âmbar que arrancaram o ar de meus pulmões.

  Seus passos eram tímidos, mas, ainda assim, ele mantinha uma postura correta e nunca, nunca mesmo, abaixava a cabeça. O uniforme social da escola nunca me pareceu tão perfeito quanto naquele momento em que o vi caminhar até uma das cadeiras da primeira fileira. Ali, nem lembrava que eu odiava literatura e não aguentava mais ouvir falar de Romeu e Julieta e Hamlet e Shakespeare. Tudo o que me importava era descobrir mais sobre o novato.

  Não demorou para que eu descobrisse seu nome. Minutos depois, quando a senhora Carmem, a professora, entrou na sala e, após nos orientar a formar um círculo, toda aquela barulheira tomou conta da sala, ela pediu para que o novato se apresentasse.

  Ele ficou de pé, fechou o botão do paletó — isso mesmo, E-L-E F-E-C-H-O-U O P-A-L-E-T-Ó — como manda as malditas regras da alfaiataria e falou, com um sotaque sulista seu nome e sua idade. Ali eu desaprendi completamente a respirar. Minha boca ficou seca e, minhas mãos, suadas. Como era possível existir alguém tão perfeito?

  Levei a aula toda para conseguir me reestabizar e não consegui prestar atenção em nada do que a professora falou, só sei que saí de lá com uma lista dos livros que seriam lidos naquele semestre — e graças a Deus, não tinha nada de Shakespeare ali.

  A partir daí, me tornei meio obsessivo. Passei a espreitá-lo nos corredores e durante os intervalos. Descobri que seu pai era gerente de uma multinacional e que, por isso, tinham se mudado. E, para minha total loucura, que ele trabalhava numa livraria.

  Foi aí que começou e meus dias nunca mais foram os mesmos depois disso.

  Agora, encarando os livros, meus pensamentos voltam a ser completamente dele. É isso que me impulsiona a levantar e ir até a escrivaninha, não me contenho e logo estou com um livro nas mãos — um dos últimos que comprei. Passo o dedo indicador para sentir o relevo das palavras que formam o título. Anjo mecânico de uma escritora chamada Cassandra Clare, não faço ideia do que se trata mas, pela capa, imagino que seja fantasia ou algo do tipo. Abro o livro e um pedaço de papel azul me chama a atenção. É a caligrafia perfeita que me faz tirar o bilhete dali e voltar a sentar na cama para ler.

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