IV. Olhos de ressaca?

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Província de Gyeonsang, Daegu. 24 de setembro, 2002.

PM 09:27

⁖ Yoo Jeongyeon

"Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. (...) Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me"

Certamente, eu também havia de me envolver com outras partes do seu corpo pra não me prender somente aos seus olhos. Os dentes, a boca, os cílios. Tudo devidamente definido e bem definido. Melhor seria impossível de ser feita. Conforme o seu piscar, meu peito turbinava sangue para as veias e artérias e, portanto, como alguém cheia de vida, meu corpo estava inteiro quente. Eu queria viver. Viver pra te ver.

Meu telefone tocou. Havíamos trocados nossos números no dia anterior. "Nayeon Colégio xD" — foi assim que ela salvou teclando meu aparelho e, por minha vez, sequer pensei em tirar. Era como se uma memória feliz tivesse entrado dentro daquela tela e contornasse letra por letra.

— Oi! — atendi.

— Acabei de ler o primeiro beijo. Bem maneiro. Mas tô confusa.

— Confusa com o quê?

— Capitu às vezes parece boa moça. Às vezes não. Mentiu pra D. Glória, mãe de Bentinho e, ainda que seja uma mentirinha boba... não consigo confiar nela. Só que ao mesmo tempo, Bentinho é um banana... qualé a desse livro em, Jeon?

— Acho que a graça tá em não saber quem tá errado. Mesmo assim, pensa que quem tá escrevendo o livro é Dom Casmurro... o Bentinho, só que mais velho; cheio das mágoas e repleto da razão de si próprio. Ele quer te convencer de que ela é a má. Que ele é a vítima. Todo mundo é meio assim. Quer ter a verdade. Entende?  — ela estagnou silenciosa.

— Nesse fim de semana... se não for problema pra você, claro... eu e uns amigos da turma decidimos passar o dia na Ilha de Jeju. Tá afim? Sabe... só ver o mar, fazer um piquenique... eu  vou entender se você não puder...

Permanecemos quietas. Suspirei, minhas mãos estavam acaloradas, pingavam suor:

— Eu vou.

— Tá falando sério, Gyeonnie? Então sexta depois da escola eu passo na frente da sua casa. Tudo bem? — Eu podia ouvir seu sorriso. Imaginá-lo mesmo que distante. Esse remexer de estomago por culpa da sua voz... um sentimento bom. E ruim. Me deixava ansiosa. Porém, sorridente.

— Uhum.

Gyeonnie. Gyeonnie. Gyeonnie. Um apelido. Minhas bochechas coraram. Comecei a escrever esse nome dezenas de vezes no rodapé da folha. Pensando em você, pessoa cuja úvula pronunciou isso. Se tivesse vindo de qualquer outra... não seria desse mesmo arrepiar. Até a ponta da lapiseira quebrar. O que não foi o suficiente pra levar embora o meu mostrar de dentes frouxo, besta e nada sútil.

(...)

Província de Gyeonggi, Incheon. 16 de agosto, 2019.

⁖ Yoo Jeongyeon. 

— Não tenho uma explicação muito boa pra isso, Nayeon. Você também nunca me explicou porquê, de repente, me chamou de Gyeonnie. E assim ficou, por um tempão. Essas coisas são desse jeito, ué, meio que dá boca pra fora. Não? 

Diante de Você - 2YEONOnde histórias criam vida. Descubra agora