𝐀𝐮𝐫𝐨𝐫𝐚
Acordei com os raios de sol quentes a baterem-me na cara. As cortinas feitas com um tecido fino, branco, quase transparente, deixava que o sol entrasse no me quarto sem ter sido convidado. Aquilo irritava-me profundamente mas, ao mesmo tempo, preferia acordar desta forma do que com o som irritante do meu despertador do telemóvel que ameaçava perfurar-me os tímpanos de cada vez que tocava.
Coloquei a almofada cor de rosa por cima da cabeça e dei um grito gutural vindo das profundezas do meu ser. Mais um dia se avizinhava. Do outro lado da parede, conseguia ouvir a música que o meu irmão ouvia. Era precisamente, 08h00min da manhã e ele ouvia música como se fosse de tarde. Acho que o facto de ele ser futebolista e ter o corpo em total movimento, fá-lo ter mais energia do que o meu sedentarismo me permite.
- Levanta-te Aurora ou vais chegar atrasada ao teu primeiro dia! - Gritou a minha mãe saindo da casa da banho que fica na porta oposta à do meu quarto.
Sim, é verdade, hoje é o meu primeiro dia de aulas. Estivemos em casa devido às férias de verão e, sem fazer o mínimo sentido, as aulas iam começar a uma sexta-feira. Não é que eu levasse propriamente as férias como "férias"; trabalho num restaurante muito famoso aqui na minha zona. Chama-se "Restaurante Dona Maria", é um trabalho chato, mas sempre ganho algum para ajudar a pagar as minhas despesas.
- Sim, mãe! Estou a levantar-me! - Respondi com grande esforço enquanto colocava os meus pés para fora da cama e espreguiçava-me de forma dramática.
O meu quarto era pequeno. Tinha uma minúscula cama de solteira, uma secretária em frente com um computador que mais me atrasava a vida do que a facilitava. Uma estante, com tantos livros amontados, que faz-me lembrar os comboios em hora de ponta quando as pessoas estão todas encavalitadas em cima umas das outras. No entanto, a minha malfadada estante, era uma das coisas que eu mais adorava no meu quarto. De manhã, antes de os raios de sol baterem no meu rosto, ele iluminava os meus livros salientando cada título como se de ouro se tratasse.
Dirigi-me ao meu armário e escolhi a roupa mais "que se lixe" que usaria nesse dia. Não fazia intenções de usar o meu melhor fato para aquela situação. Então retirei uma blusa preta dos rolling stones que já a tinha há mais de seis anos, umas calças cinzentas e umas all star brancas.
Penteie o meu cabelo louro em um carrapito no alto da cabeça, arrumei a franja despenteada que ameaçava fugir-me da cabeça e, dei umas palmadinhas ao de leve com as minhas mãos para que o meu rosto ganhasse uma cor. Sempre fui muito pálida, ao contrário do meu irmão que possuía uma cor invejável oferecida pelos genes extraordinários do meu pai. Mas, por sorte, os meus lábios eram de um tom rosado natural, o que eu agradecia todos os dias a Deus pois nunca tinha que me chatear a pôr batons.Ao descer os degraus, tão pequeninos quanto os das casas de bonecas que a minha mãe me comprara quando fizera os meus cinco anos, ouvi uma voz que me tirava do sério todas as manhãs desde o meu nascimento.
- Teremos um jogo daqui a dois dias, espero que ganhemos. O mister quer colocar o Afonso como defesa central.- Explicou o Gustavo, o meu irmão, enquanto colocava um croissant com fiambre na boca aos meus pais que o ouviam atentamente.
- Sim, sim Gustavo. Já se sabe disso tudo. - comentei secamente sentando-me à mesa.
- Deixa de ser mal disposta! Que livrinho vais ler hoje? Os contos de Grimm? - riu-se.
- Aprendo mais com os livros do que com os teus estúpidos joguinhos de futebol. Parecem matraquilhos a correr atrás de uma bola. - revirei os olhos ao colocar manteiga na torrada.
- Ao menos mexo o corpo a fazer alguma coisa. - confrontou-me.
Eu e o meu irmão erámos o oposto um do outro. Eu gostava de estar mais sossegada no meu canto, tanto a ler como a escrever. Adorava um dia poder trabalhar numa editora e seguir o meu sonho de ser uma escritora. O meu irmão, bem... é o típico rapaz que adora futebol, e faz daquilo vida. E acredito que a parte preferida dele é quando os jogos terminam, eles ganham, e depois juntam-se todos naquelas casas de fraternidade a beber, e a comer... gajas e comida.
- Ah, poupa-me. Todos nós sabemos qual é a tua parte preferida quando te referes a "mexer o corpo". - cuspi as palavras.
- Aurora e Gustavo, acho que esta discussão não vos vai levar a lado nenhum. Cada um de vós é bom a fazer aquilo que gosta e ponto. - terminou o meu pai, o sensato da família, mas ao mesmo tempo, aquele que tem o Gustavo como o seu filho preferido por ter seguido aquela profissão que todos os papás idolatram que os seus filhos sejam quando são pequenos.
- Sim pai. - assenti terminando o meu pequeno almoço. - Então até logo. Vou para as aulas.
Aquelas discussões matinais que tenho com o palerma do meu irmão retiram-me a energia toda que recuperei durante o meu sono. Ele acha que é o maior por jogar futebol, por adorar festas, por não gostar de estar em casa. Nem vale apena referir aquele a que ele chama de "melhor amigo", o Afonso. O Afonso é o capitão de equipa. Aquele que as raparigas chamam o nome quando os jogos iniciam. Aquele que elas gritam bem alto sempre que marca um golo, e também, aquele que elas desmaiam assim que ele as olha nos olhos. Era exasperante olhar para aquelas hormonas todas.
Ao entrar pelos portões verdes da Universidade, fui inundada por uma saudade compreensível. Eu andava no curso de literatura no 2º ano. Era uma sorte poder trabalhar com tantos livros, tantas letras, tantas histórias e criar afinidade e amizade com tantas personagens. Saber cada história de amor, cada história familiar, cada pedacinho da personalidade de cada um. Coisas que o meu irmão nunca saberá o que é bom, e não é o único.
- Bom dia ragazza. - Beijou-me na cara a minha melhor amiga.
Briana Fontana, uma italiana sortuda que tinha a sorte de ser ruiva, coisa que só 1% da população italiana consegue ser. Tinha o cabelo mais lindo que já vira na minha vida. O seu sotaque era doce mas engraçado ao mesmo tempo. Era alta e esbelta, os seus olhos castanhos refletiam o outono de todas as formas doces que imaginam. Conhecia-a num dia em que estava sentada num café pacato a ler o meu livro preferido. Na altura eu só tinha uns catorze anos. Tinha acabado de vir do salão e cortara o cabelo com uma franja que todos achavam ridícula mas que eu agradecia por a ter, sentia que ela me cobria a cara e que assim, podia me esconder do Mundo. A Briana aproximou-se de mim, apontou para cadeira, sentou-se antes que eu lhe pudesse dar resposta, e elogiou-me como nunca ninguém o fizera. Desde desse momento que temos sido nós as duas contra o Mundo.
Só que ela tinha um problema, odiava escrita e leitura. Deixara-o bem explícito quando me viu a ler no café.
Ela andava no 1º ano de enfermagem. Dizia que queria salvar vidas e arranjar assim, o homem da sua vida.- Bom dia! - sorri perante a sua demonstração de carinho.
- Então, que discussão tiveste tu com o teu irmão hoje? - riu-se ao saber que isso já fazia parte da minha rotina matinal.
- Qualquer coisa sobre um jogo que vão ter daqui a dois dias e que o Afonso está na posição errada e bla bla bla... - fiz cara feia.
- Ah sim. - riu-se. - Então parece-me que temos um jogo para ir assistir!
- Não acredito! - bufei.
Outro aspeto sobre a minha amiga, não perdia uma. Festas, jogos e compras era com ela. O problema? É que me levava sempre atrás dela mesmo reclamando que eu era uma péssima companheira.
- Sim, podes acreditar que sim. A vida não é só livros Aurora. - colocou o braço por cima do meu ombro encaminhando-me para o bloco onde teria a minha primeira aula do dia.
- Mas podia ser, se não fosses tão chata. O que ganho eu a ir a um jogo desses? Sabes o quanto acho estúpido ver onze rapazes parvos a correr atrás de um objeto circular no chão? - parei bruscamente para lhe explicar o meu ponto de vista.
- Ora bem, esse "objeto circular" ninguém o chama assim. É uma bola.- prolongou-se na palavra bola como se tivesse a explicar a uma criança como dizê-lo. - Depois, anda lá! Toda agente quer ver o Afonso a jogar! E o teu irmão claro.
- Outra fanática por ele... - revirei os olhos. - Podem-me explicar o que raio observam nele?
- Para quem lê tantos livros estás a precisar de uma explicação demasiado óbvia. - deu-me umas pancadinhas nas costas. - Mas como eu sou uma boa amiga, não te vou explicar, vais comigo e observas por ti mesma aquilo a que nós, mulheres normais, nos referíamos.
- Estás a tentar dizer que eu não sou normal? - olhei para ela franzindo o cenho.
Ela começou-se a rir, abanando a cabeça de um lado para o outro e com esse gesto abandonou-me naquele corredor cheio de adolescentes, que de papel nas mãos, corriam de um lado para o outro tentando encontrar as salas enumeradas nos seus horários.
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O Despertar de um Sentimento
RomanceAurora só queria vir a ser uma escritora mundialmente conhecida e trabalhar na editora dos seus sonhos, mas, por ironia do destino, vê o seu sonho a fugir-lhe pelas mãos ao conhecer Afonso, o melhor amigo do seu irmão. Um novo sentimento irá surgir...