A escuridão da incerteza

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                                                                Aurora 

                 O castelo dos Benigno era uma visão onírica e incomparável. Mas nem mesmo toda a beleza que encantara Aurora a vida toda era capaz de deixar sua inquietude de lado naquela situação. 

                Cada pequeno pedaço de sua alma parecia se agitar com as possibilidades. Talvez... Deusa do sol? Ou das flores... Se bem que talvez já existisse uma deusa das flores. Ela teria que rever a tapeçaria com a genealogia dos Benigno mais tarde.

                Andando para lá e para cá nos corredores brancos e cheios de mármore, tudo parecia brilhar com as luzes da sua expectativa. O que era uma comparação deveras estranha, considerando que no momento ela estava enterrada no meio da escuridão da incerteza.

                Cada segundo do que anteriormente vivera parecia culminar naquele momento, naqueles segundos, que mesmo assim teriam a duração de qualquer outro, se esvaindo como areia na ampulheta.

                Parecia impossível se concentrar em qualquer coisa além de sua euforia. É amanhã, é amanhã, é amanhã. Aurora queria pular de felicidade com a constatação, mesmo já tendo plena consciência dela muito antes. 

                 Será que o filho dos Maligno também estaria pensando nisso? Ela não poderia nem arriscar um chute, contudo ela própria mal dormira... O que não fazia sentido, já que a cerimônia só seria no dia seguinte. Mesmo assim, lá estava ela.

                Amanhã, tudo vai mudar. Depois daquele dia, a minha vida se definirá em 'antes' e 'depois' daquilo. Seus pensamentos estavam tão agitados e eufóricos quanto ela; pareciam se mesclar em sua mente. A voz hipotética do mestre de cerimônias ressoava em seus pensamentos.

                Aurora Benigno, princesa-deusa do(a)...

                A frase só avançava até ali. O resto ficava por conta da sua imaginação crescente, com infinitas possibilidades. Ela imaginava os mais diversos símbolos brilhando sobre sua cabeça, desde um sol reluzente a alguma figura que ela só viria a descobrir depois que o clérigo explicasse.

               O momento em que receberia a coroa também ia e voltava em suas fantasias. Se imaginava ajoelhada no chão de granito do Estrado Decisivo, recebendo sobre sua cabeça o sinal de todo o seu futuro como princesa-deusa.

               Mesmo sabendo que aquele momento estava um pouco mais distante, ainda assim ele figurava por lá. Foi para ele que toda a vida de Aurora tivera um significado. Todas as aulas de história, de etiqueta, de administração... Sim, ela ainda não seria uma rainha, mas havia um abismo colossal entre ser uma princesa e ser uma princesa-deusa.

               Ela não conseguira comer praticamente nada no café da manhã; sua animação exacerbada não permitiu, mesmo com os pedidos insistentes de seu mordomo para que comesse "só mais um pouquinho". 

               "— Senhorita, senhorita. — Galin havia soltado um muxoxo de pura reprovação. —Sei que deve estar deveras nervosa com a cerimônia iminente. Contudo, não vai haver cerimônia alguma se ficar doente! Vai te deixar fraca. Aqui, pegue algumas tortinhas."

               Aurora podia estar nervosa, mas não havia simplesmente nada como as tortinhas de mirtilo do palácio. Eram mais deliciosas do que qualquer coisa que ela já houvesse provado, e nem mesmo se ela se tornasse a deusa das comidas maravilhosas poderia replicar tamanha perfeição.

               Então, obviamente, mesmo com as miscelâneas de sensações que pareciam impedir qualquer coisa chegar ao seu estômago, ela comeu várias, e definitivamente não se arrependia. Princesa, princesa-deusa, rainha ou quem quer que fosse, não havia como resistir diante daquela massa amanteigada que parecia desmanchar na boca, ou daquele recheio azul-arroxeado que parecia ter saído de um mundo completamente onírico.

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