Falha ou destino?

18 1 0
                                    

                                                             Aurora

              Talvez você já tenha escutado em algum lugar que palavras possuem um grande peso. E isso é uma verdade incontestável. Palavras são pesadas. Elas podem destruir reinos, unir povos, esmigalhar os recantos mais profundos da alma de uma pessoa e muito mais.

              Mas naqueles segundos Aurora inconscientemente percebeu que o contrário também era real. Porque a melhor definição para o silêncio que recaiu sobre o salão era essa. Pesado como chumbo. 

E consumindo-a por dentro. 

              Todos os olhares da multidão pareciam voltar-se para o palco. Pouco a pouco, sem desejar que fossem notados, alguns sussurros baixos foram se erguendo da plateia. 

              — O que aconteceu?

              — Como?

              — Nunca vi nada assim!

              — Por todas as gerações...

              — Isso é simplesmente impossível!

              — Que desgraça para as famíllias...

              Aurora se sentiu tonta, como se fosse capaz de desmaiar a qualquer momento. Por impulso, se levantou do trono e encarou a multidão, sem saber o que fazer. Encontrou o olhar de sua mãe nos camarotes, num semblante abalado e perplexo.

E era culpa dela

              O coração de Aurora pareceu concreto dentro de seu peito, prestes a se estillhaçar em vários pedaços como uma das vidraças do palácio. Todos eles ainda a encaravam. Era desesperador, todas aquelas pessoas que a julgavam.

             A princesa fez a única coisa que conseguiu: com lágrimas reluzindo nos olhos, correu rapidamente e desceu os degraus até a plateia de forma eufórica, correndo para a saída principal sem olhar para trás.

             Toda a multidão se abriu para ela conforme ela passava, se dividindo em dois como um cardume desorientado. Aurora correu, passando pelas portas abertas. O céu estava tão branco que a imagem queimou seus olhos, mas ela seguiu correndo, o vestido esvoaçando atrás dela. 

             Correu até que parecesse distante o suficiente daquela realidade. Até que não se ouvisse mais nada e todos os olhares viessem dos animais que passavam por ela. Até que se permitiu se jogar na grama, sem se preocupar com o cabelo que havia passado horas arrumando, ou com o vestido que agora já era praticamente marrom, não mais azul-serenity ou qualquer outro tom. 

             Apenas tentou regular sua respiração arfante, diminuindo as palpitações de seu coração. Mas não importava, nada importava. Não importava quão longe ela estava. Ela poderia estar em Ondura, na Baía-das-águas-claras, em Faloctan ou qualquer uma dessas cidades do outro lado do reino e ainda assim não importava.

Ela ainda seria Aurora Benigno,  futura princesa-deusa da maldade. 

            Doía. Doía muito. Não era na alma, nem no coração. Era quase uma dor física. Seu corpo ardia de repulsa pela falha que havia acontecido. 

Falha... Ou destino?  

                                                             Killian

            Depois que a algazarra acabou e o público de curiosos foi tirado ás pressas do local, ele foi conduzido de volta para o palácio dos Maligno no mesmo carro no qual chegara no salão. Killian não tinha a menor ideia do que estavam fazendo quanto á princesa dos Benigno, mas já deviam estar em seu encalço.

             Após sua saída dramática, todo o salão ficou drasticamente mudo antes de voltar com os sussurros (ainda mais altos agora). Ninguém correu atrás dela. Estavam ainda muito perplexos com o primeiro choque para lidar corretamente com um segundo. 

             Ela parecia fraca. Como todos os Benigno. Não tinha capacidade para enfrentar aquilo, e a melhor opção foi fugir como um ratinho assustado. Era tão previsível que ele se surpreendeu por não ter percebido que aquilo aconteceria.

             Killian estava se sentindo um idiota. Claro que estava. Deus da calmaria? Isso era coisa dos Benigno. Não tinha nada a ver com os Maligno, muito menos com especificamente ele. Mas deixou que os outros sentissem tristeza e perplexidade em seu lugar. 

             Era o melhor que ele fazia. Em pouco tempo, aquilo seria resolvido. Não podia ficar assim. Óbvio que não. O clérigo só precisaria refazer qualquer coisa ou trocar as representações deles. 

             Era um direito do povo ficar surpreso com aquilo, claro. Nunca havia acontecido, não que ele soubesse. Se tivesse, muito provavelmente teria sido resolvido. A verdade é que talvez Killian também estivesse preocupado se não possuísse essa certeza.

             — Senhor, chegamos ao palácio. — Informou-lhe o guarda, estacionando o veículo perto da entrada lentamente. — A rainha me informou que gostaria de falar com o senhor, se possível. 

             O príncipe respondeu com um aceno de cabeça simples. Não precisava perguntar o porquê. Qual outro motivo seria além daquele?

              Killian desceu do carro e entrou no palácio. Um dos criados recolheu seu casaco de pele, carregando-o para longe. Os aquecedores do local faziam com que aquele tipo de aparato fosse desnecessário, mesmo com o clima cada vez pior lá fora. 

             Provavelmente, começaria uma chuva muito forte dentro de um curto período de tempo. Se a princesa Benigno morresse de hipotermia, quem iria assumir o lugar dela no trono?

             Pois é. Era um pensamento um tanto quanto mórbido. Ele repassou a família atual deles em sua mente, mas não sabia de quase nenhum membro além dela e da rainha. Provavelmente algum dos tios da garota, assim como na genealogia deles. 

             Apesar de saber que tinha que falar com sua mãe, ele podia pensar nisso depois. Foi direto para seu quarto e se jogou na cama, encarando o teto. Depois de um tempo, foi para a banheira cheia de espuma, deixando seus pensamentos se dissolverem junto com as impurezas. 

Deus da calmaria. Quem diria. 

             Era uma certeza plena para ele que algo de errado havia acontecido com a cerimônia. Não era possível que algo assim acontece. Talvez o mestre de cerimônias tivesse se enganado. Killian repetia inconscientemente essas frases para si mesmo. 

             Ele próprio se sentia tenso com a perspectiva de que os atos do clérigo fossem irreversíveis. Mas enquanto nada era uma certeza e tudo se dissolvia numa tempestade de confusão, tudo que Killian sabia era que não se dignaria a pensar em nada daquilo por enquanto. No momento, permitiu que a espuma da banheira o engalfinhasse e o mantivesse perfeitamente distante dessas previsões.

Ao menos por enquanto... Porque o horizonte previa uma tempestade, e não era só climática.

                                          -----------------------------

Olá de novooo meus queridos! 🥰

Tudo bom?? Espero que sim, porque aqui está mais um capítulo pra vocêss!

Não se esqueça de votar se gostou e até o próximo capítulo.




Coroa de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora