Medos e resoluções

123 13 30
                                    

Olá, gente. Como vocês estão? Trazendo mais um capítulo. A quem acompanha, boa leitura!

...........................

Lin sempre se orgulhara de dizer que era uma criança inquieta. Na escola não eram raras as vezes em que os professores ficavam sem resposta para tanta indagação. Nem os livros pareciam dar conta da curiosidade sem fim de uma cabecinha daquelas. E à medida que foi crescendo, a ânsia em saber mais do universo e explorá-lo foi só aumentando a ponto de... A ponto de quê? Hoje, dez anos depois, Lin já não sabia dizer se sua curiosidade lhe rendera bons frutos. Quer dizer, como ficar ausente por tanto tempo podia ser considerado algo bom?

Durante os primeiros dias em Koh Tao, ela se dedicou a conhecer o mundo de novo. Mas, dessa vez, era o mundo que ela perdera. Comprara um notebook de ponta sobre o qual passava horas e horas fazendo mil pesquisas, lendo mil textos no sentido de se atualizar sobre o que havia de mais recente nas pesquisas em sua área. E Deus... era tanta coisa! Como o mundo pode evoluir tanto em apenas dez anos?

- James Webb... O que você tem pra mim, menino?

Ela murmurava enquanto ia para lá e para cá em abas abertas tentando entender o mecanismo de funcionamento de um telescópio gigantesco capaz de enviar imagens em 4K de galáxias distantes inteiras. Os olhos e os ouvidos da humanidade vagando por universos desconhecidos. Aquilo atiçou em Lin a curiosidade e a inquietação que sempre lhe foram natas. Parecia uma criança brincando com o melhor brinquedo do mundo que ganhara em uma noite de Natal.

O silêncio da pequena casa localizada a duas ruas da praia era interrompido somente pelos cliques do mouse e do teclado. Vez por outra, recebia alguma notificação de mensagem no celular, mas estas, ela ignorava solenemente. Os outros podiam esperar um pouquinho enquanto ela se enfiava cada vez mais na própria mente. Uma mente fértil, diga-se de passagem. Só precisava de um tranco para voltar a funcionar em plena capacidade. Ela estava atrás desse tranco.

O telescópio portátil, que fora uma de suas primeiras compras quando voltara do espaço, permanecia quietinho na pequena varanda aguardando para ser usado no momento oportuno. Eles geralmente vinham à noite, quando o céu se vestia de estrelas como um manto esplendoroso se estendendo de ponta a ponta pedindo para ser visto e desvendado. Desvendar era a palavra de ordem na vida de Lin. Claro que ela atenderia àquele pedido barra exigência sem precisar de muito.

Esperou a noite cair para pegar o telescópio e sair caminhando a passos lentos até a praia. Os pés afundando na areia, a vista longe e o vento lhe soprando os fios negros. Leveza, sossego e tranquilidade. Quietude em seu sentido mais lato. Lin já convivera demais com esse sentimento durante o tempo vagando pelo universo. Mas ali, bem fincada no chão, ela podia dizer que quietude era aquilo ali e não o que experimentara lá em cima. No universo, tudo era isolamento, não tranquilidade exatamente.

Não há tranquilidade quando você não sabe o que esperar. Ela vivia em uma eterna espera pelo pior, talvez. Ali, passinho a passinho na areia, sentindo a espuma das ondas quebrando na orla, o cheiro salino do mar, a areia grudando em seus pés à medida que inspirava profundamente tendo os olhos preenchidos pela imensidão do oceano... bom, aquilo sim era o significado de plenitude e quietude. Ela decidiu que aproveitaria aqueles pequenos momentos que teria para si – e não mais a convivência obrigada com uma mente inquieta em estado de suspensão – enquanto planejava um futuro coerente com os anos em falta.

Porque agora ela podia planejar. Pequenas vitórias diárias.

Respirando fundo, Lin parou em um ponto mais afastado do burburinho dos turistas nos restaurantes da orla e decidiu que ali daria início ao seu futuro. Fixou a base do telescópio na areia e saiu montando peça por peça sem sequer se dar ao trabalho de verificar o manual. Foi-se o tempo em que precisara daquilo.

Black Hole (Uranus2324)Onde histórias criam vida. Descubra agora