Toronto, Canadá. Academia de artes clássicas RoseThorn.
00:48 sexta-feira. 09/04Mi ré mi ré mi si ré do lá dó mi lá si mi sol. Mi ré mi ré mi si ré do lá dó mi lá si mi sol. Mi ré mi ré mi si ré do lá dó mi lá si mi sol. Mi ré mi ré mi si ré do lá dó mi lá si mi sol. E assim, Shen Daiyu, passava o resto das horas em uma das salas privadas de treinamento da Rosethorn. Tentando atingir o timing perfeito em "Fur Elise" de Beethoven, em seu piano. – Eu acho que isso já é falta do que fazer, Daiyu.
-- Você tá aqui porque quer, Sophia.
-- É um pleno fim de sábado, e você tá aí, perdendo a cabeça por causa de um piano.
Daiyu respira e sacode as mãos, liberando a tensão que a sensação de estar perdendo habilidade no seu maior investimento trazia. Começa a sequência de notas novamente, com os dedos deslizado sob o piano, esperando perfeição de cada uma das notas.
-- Já pensou na ideia de um namorado? Com certeza você não estaria aqui se tivesse um. Tem aquele violinista que deu em cima de você, lembra?
Falava a menina de cabelo loiro em um tom dourado enquanto rolava sua "for you" no TikTok. Sentada no chão de sala de ensaio esperando sua amiga.
-- Você tá falando do Nicolai? Ai meu Deus, não vem com essa história de novo.
-- Ele é até que bonitinho... se olhar de longe...com os olhos meio fechados...
As amigas trocaram rapidamente olhares e caíram na risada.
Já era tarde em Toronto. Todos os alunos da academia de artes RoseThorn, estavam recolhidos em seus dormitórios, ou, vagando pelo bairro ao lado onde existiam diversas festas e feiras culturais. O que não era permitido na academia, mas quase sempre, passava batido. Daiyu nunca havia pisado nem perto de lá, ao contrário de Sophia..·:*¨¨* ≈☆≈ *¨¨*:·.
As amigas voltavam para o prédio de dormitórios, sorrateiramente, desviando dos guardas noturnos. A noite estava gelada em Toronto, como a maioria delas. Sophia e Daiyu se encolhiam dentro dos moletons da RoseThorn.
O campus era composto por um gramado florido, que de noite ficava ainda mais lindo, devido as iluminações. Com vários prédios anexos modernos e as ruas em pedregulhos. O ambiente silencioso pelo fato de ser 01:26 da manhã.
Passavam pelo caminho de pedregulho, entrando no prédio dos dormitórios femininos. Usaram seus cartões de acesso, fornecidos pela segurança da RoseThorn. A mesma era a maior academia e conservatório de artes clássica da américa, muitos alunos viajavam e se despediam da família anualmente para estudar. Daiyu era um deles.
A um ano e quatro meses, daiyu se despedia de sua família na china e se mudava para o Canadá, após passar na seleção de pianistas. O conservatório se localizava em Toronto em um bairro chamado Heavenforth um pouco mais afastado da cidade.
Mesmo tão longe de sua família, amava a vida na RoseThorn. Seu sonho sempre foi viver da música, mais ainda depois de se apaixonar por música clássica e em seu piano. Todo o peso que aquela rotina cansativa de inúmeras aulas e ensaios, ficava mais leve, pois passava todo aquele tempo, investindo na sua vida. O piano é sua vida.
Essa era opinião a opinião e de toda sua família tradicional asiática. Onde " Com fé, disciplina e dedicação desinteressada ao dever, não há nada que valha a pena que você não possa alcançar". Em sua cultura, o esforço e a disciplina eram altamente valorizados. Por isso daiyu era rígida consigo e não aceitava algo além da perfeição, mesmo resultando em algumas idas ao hospital e noites extremamente mal dormidas.
-- Seria muito melhor até para festas, imagina!
Daiyu sai do transe com a fala de sua amiga.
-- Repete o que você falou, por favor. Não tava escutando.
-- Tipo se a gente fosse colega de quarto sabe.
-- Vira essa boca pra lá Sophia! Mereço meu tempo de descanso longe de você, de preferência.
-- Caraaaca, é isso que eu recebo por ser sua única amiga?
-- Vai dormir Soph, amanhã a gente se fala.
As meninas se abraçam e se despedem, já que o dormitório de Sophia era no térreo, e o de Daiyu no décimo andar.
-- Não esquece de lavar o cabelo Yuzinha, tá fedendo. Assim você não arruma um namorado mesmo.
Sophia fala enquanto abre a porta de seu dormitório, com o cartão de acesso.
-- Nem parece que me conhece
Assim que a loira entra em seu quarto as amigas trocam as últimas despedidas e Daiyu retoma seu caminho ao elevador.
Esperando o elevador chegar em seu andar, checa seu cabelo, por conselho de sua amiga. E meu Deus, realmente estava fedido. Naqueles últimos dias estava tão concentrada em seu progresso, que havia esquecido de cuidar de si. Seus longos cabelos lisos e negros estavam grudando devido ao óleo. Suas unhas estavam cheias de cutículas e roídas devido a ansiedade. Acreditou que agora, seria a noite para resolver isso.
O elevador chegou, e assim que as portas se abriram, teve uma surpresa não tão grande assim. Owen um violinista bem-conceituado no conservatório, saía do elevador do prédio de dormitórios femininos. Esse tipo de situação constrangedora, já estava se tornando cada vez mais comum, desde que Owen e Loren, uma bailarina que morava no mesmo andar que eu, começaram a ficar.
Esses encontros não permitidos já eram tão cotidianos, que Daiyu e Owen até criaram um tipo de relação. Onde ele sabia das saídas noturnas dela, para ir as salas de ensaio. E ela sabia que ele visitava Loren em seu quarto, quase toda madrugada.
-- Boa noite Daiyu, espero que tenha tido um bom ensaio.
-- O mesmo para você, mesmo que o ensaio tenha sido no quarto de uma bailarina.
Os dois soltam risadas baixas enquanto cruzavam seus caminhos. Owen faz um sinal de segredo para Daiyu e deixa o prédio, provavelmente em direção dos dormitórios masculinos..·:*¨¨* ≈☆≈ *¨¨*:·.
Após seu caminho até o dormitório, abre a porta de seu dormitório e encontra a terrível bagunça de sua colega de quarto. Com cacos de vidro no chão, caixas de pizza em cima das camas, latas de cerveja...
-- Wǒ de tiān a...
O choque era tanto que Daiyu não conseguiu falar em sua segunda língua. Sua colega de quarto estava inconsciente no sofá do quarto, roncando, com os pés e as botas que costumava usar em cima do mesmo. a boca aberta e seus cabelos em trança bagunçados.
Entrou de fininho no quarto, com cuidado para não acordar a inglesa com quem dividia quarto. As luzes estavam acesas então não precisou acender. Tirou seu sapato e o moletom da RoseThorn, sentindo algo vibrar em seu bolso. Notou que já havia sete chamadas perdidas de sua mãe e decidiu retornar.
-- Onde você estava Shen Daiyu? Eu poderia saber? Ou sua mãe tem que esperar a sua boa vontade?
Daiyu massageia suas têmporas em sinal de impaciência enquanto ameniza toda a bagunça deixada por sua colega de quarto.
-- Bu háo iy sì mama, estava na sala de ensaio, deixei meu celular no silencioso.
Na verdade, tudo que Daiyu gostaria de dizer a sua mãe é que já estava velha demais para dar satisfação de cada passo em sua vida. Mas as meninas asiáticas costumam temer ainda mais suas mães, como sinal de respeito.
-- Foi sozinha? A esse horário?
-- Sophia estava comigo.
-- Preferiria que estivesse sozinha do que andar com tais companhias. Já não te disse que essa menina é uma má influência?
-- Ela é meio que minha única amiga
-- Essas garotas canadenses, não valorizam tanto quanto devem estudar em um local de prestígio. Americanos são ingratos. Está percebendo?
-- Eu já entendi que a senhora não gosta dela mama.
-- Você sabe o que eu quero dizer. Não deixe amizades sem futuro atrapalharem seu objetivo.
Já era a oitava vez ao ano que recebia palestra de sua mãe sobre todas as pessoas filhas de pais bem-sucedidos que recebiam vagas na RoseThorn, mesmo com um desempenho questionável.
-- Boa noite, mama.
-- Boa noite Daiyu. Não se esqueça do que eu disse.
Sua mãe desliga a chamada, deixando apenas a garota na linha. Daiyu se joga em sua cama, suspirando com mais uma conversa desagradável. Olha de relance para sua colega de quarto que ainda dorme desajeitadamente.
Olha pro teto, questionando mais uma vez naquela semana, se todo esse sacrifício realmente vale a pena.
Antes de dormir, checa suas notificações e a única coisa que encontra é um post novo de um blog de fofocas do conservatório chamado "You seen Rosethorn?" Todos os alunos da RoseThorn sabiam desse blog, mas ninguém sabia que era seu autor. Já bateu recorde de blogs com mais visitas no Canadá em um mês do ano passado. Daiyu nunca havia aparecido em nenhum dos posts da YSR, e era o seu maior medo. Ser comentada trazia nervosismo, por isso, seu maior talento era passar despercebida.
Abriu a página do blog e se deparou com um post sobre um bailarino do conservatório chamado Jaden Fonollosa. Daiyu já tinha cruzado algumas vezes no campus com o aluno espanhol que havia entrado esse ano no conservatório, mas nunca prestou uma devida atenção. Já tinha ouvido pelos corredores diversas pessoas o elogiando, desde seu notável talento até sua aparência, com peles bronzeadas, cabelo castanho e um sorriso que fazia algumas garotas do conservatório derreterem. Daiyu não podia negar que ele era realmente simétrico.
O post afirmava que o bailarino era homossexual, segundo fontes não ditas. Havia uma foto do garoto e o relato ao lado. Daiyu rolou um pouco um pouco mais a tela e abriu a aba de comentários.
@lady_zimmermaanx : ai que desperdício af!
@i.chasewoot : até parece que ninguém sabia, é só olhar o jeitinho.
@_LorenMgrace: ????
@abramfleurr: OMG eu e minha amiga íamos pros ensaios de ballet só pra babar nele KKKKKKKK socorro
Por baixo, só havia mais e mais comentários desrespeitosos, cujos Daiyu nem se dava ao trabalho de ler. Todos eram basicamente iguais. Ou pessoas usando termos ofensivos relacionados à sexualidade do rapaz ou meninas afirmando coisas como se ele fosse um pedaço de picanha.
Daiyu achou impressionante a forma com que aquele garoto tão querido pelo conservatório, ficou tão mal falado em questão de minutos, e por um motivo tão besta. As pessoas eram realmente hipócritas.
Com todo aquele cansaço no corpo, Daiyu acabou dormindo com o celular na mão, aquela bagunça no quarto e seu cabelo ainda sujo. Coisas que só morando do outro lado do mundo conseguiria fazer, porque a sua mãe a desmembraria só de imaginar o seu estado atual.
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