CAPÍTULO Ī

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Sobre as colinas do ocidente, o orvalho gélido e cinzento sobrevoava pelos altos castelos da corte dos Anjos, ocultando a característica arquitetura inestimável da realeza e dançava sombrio em volta de Maylin, encolhida ao lado da janela da torre mais alta do reino. Sua pele dourada estava fria e seus lábios trincados, os cabelos pretos e longos ondulavam-se junto a neblina, a vestimenta de cetim alabastrino se agarrava em seu corpo e seus braços tentavam aquecer-se enquanto admirava a imensa cidade abaixo erguida entre rochas, montanhas e uma linda paisagem que remetia à corte das fadas, como Lilien, uma fada banida, costumava contar para ela em tantas histórias antes de dormir quando mais nova. Seus olhos hipnotizados pelas tochas que brilhavam como pequenas estrelas em chamas nas portas e janelas de cada residência, as ruas vazias e o céu negro como o interior de seus aposentos. Todos estavam adormecidos na madrugada de véspera da Ceia em Nirvena, a cerimônia em que as nove cortes, que mantinham sua paz por uma linha tênue, se reuniam para discutirem sobre o regime governamental do mundo místico e, claro, marcar seu território e sua posição de poder o mais exageradamente possível. Essa seria a primeira vez em que Maylin participaria e estava nervosa. Tentara descobrir mais detalhes com os serviçais, mas todos pareciam evita-la, porém, sempre fora assim desde sua chegada três anos, atrás, quando ainda era apenas uma adolescente de dezesseis anos, e isso a esgostava. Estar sozinha era uma tortura consigo mesma. No início, acreditou que enlouqueceria, mas então se acostumou ao silêncio, à escuridão após às onze da noite, aos guardas sempre em sua porta ou em suas costas e às visitas repentinas de Martin em seu dormitório.

Era caótico sua instabilidade em seu próprio lar, a ausência da sensação de realmente pertencer. Cada detalhe sobre si era um sinal incandescente de sua divergência ao seu povo, suas falhas que a faziam comparar-se com os meros humanos ao oriente. Mesmo que nunca os tivera visto uma única vez, ela sabia que eram fracos e dependentes.

Não se atentou aos minutos que logo se transformaram em seguidas horas até que o sol tingiu a borda do horizonte e as luzes das tochas eram fracas chamas que resistiram à noite gélida das colinas. Seus olhos estavam pesados e seu corpo cansado quando o som inconfundível da fechadura de sua porta chegou aos seus ouvidos.

— Acordada tão cedo? — Martin adentrou os aposentos de Maylin e ela saiu da varanda, seus ombros cansados.

— Estou ansiosa para a cerimônia. Todos exigem que eu esteja condescendente à beleza e bravura de nosso povo, mas eu sinto que posso decepcionar, Martin.

— Querida, você não será nada mais que incrível esta noite. — Seus dedos deslizaram pela pele macia do rosto de Maylin, fazendo sua coluna enrigecer em reflexo. Martin sorriu quando reparou seu ato. Seu olhar esverdeado como as águas do lago Amistina, claro e luminoso, perverso e cruel.

Às vezes ela o invejava, deslumbrada, em outras, sentia-se doente.

— Precisa treinar seu corpo para confiar em mim, assim como sua mente confia — disse Martin, afiado. — Entendo que se sinta frágil, mas não pode temer a mim em frente aos nossos súditos e vizinhos, Maylin. Sou tudo que sobrou a você, não há sentido em vacilar perante a mim. Meus inimigos fazem isso, não você.

— Eu não temo, Martin. — Sua voz saiu firme, mas o suor acumulando-se na parte inferior de suas costas a delatariam. — Apenas estou insegura e há tanto acontecendo... Sinto que posso decepcionar seu, nosso povo — corrigiu-se rapidamente — mas jamais poderia suportar decepcioná-lo. — Ela levou novamente a mão do general ao seu rosto e deslizou seus dedos secos e rígidos pelo seu rosto, pousando-os ali.— Obrigada por tudo.

— Não me envergonhará em qualquer hipótese, é o seu quinto juramento, Maylin. — Sua voz era plácida, orgulhosa. — Eu forjei você como minha melhor arma, mais doce que os vinhos da corte de Senty e mais bela e delicada que as concubinas do Sul. Você sabe o seu papel na ceia. — Ele sorriu e beijou sua bochecha. — Você é o bem mais precioso que tenho, Maylin.

Ele se despediu e em menos de cinco minutos desde que entrara, saíra, como sempre, e a deixou ali, confusa. Como poderia ser a melhor arma de Martin se nunca sequer voou? Não tinha asas, não tinha dons. A não ser que houvesse algo doado pelos deuses trancafiado em sua alma, Maylin não era nada além de um belo casulo oco.

Logo soaram duas batidas seguidas por uma longa espera de seu consentimento, Maylin pegou a manta escura sobre a penteadeira e cobriu-se e só então autorizou a entrada de suas serviçais que haviam de prepará-la para a Ceia das Cortes.

Essa história é um portal que encontrei para viajar ao melhor mundo que poderia imaginar.
É um prazer desbravá-lo com vcs

Sucumbida Por Estrelas E Mundos  [Em Atualização]Onde histórias criam vida. Descubra agora