Capítulo 01

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Na Península Polar tudo parece frio e congelante. Morrer por causa disso é comum entre os habitantes de lá, que lutam para conseguir uma labareda acesa.

Lá o inverno é constante, provocando impaciência. "Quando será que vamos nos livrar dele?", todos se perguntam. Entretanto, os pais de Marie conseguiram achar um fim lucrativo por cima de tanta enfermidade.

Sendo vendedores de gelo para o exterior, eles conseguiram lucrar mais do que o necessário para pagar as despesas para o Estado. Viraram moradores da casa mais confortável que dá para se viver no lugar onde estavam, ao lado do Lago das Lágrimas, um lago cristalino formado de gelo. Tomar aquele lago como vista era deverasmente encantador, porém mortal para quem se atrevesse a se aproximar dele, pois, pela sua fragilidade imperceptível, ele enganava qualquer um que quisesse escorregar em seu gelo. Todos que tentaram, morreram afogados nas suas águas ocultas.

Para os pais de Marie, a morte não deixava de ser bonita por representar um fim. Os fins geralmente vem com um começo, e eles iniciavam algo todo dia. Todo acordar, para eles, já representava um começo, assim como cada amanhecer e cada anoitecer. Eles sempre diziam coisas como: "Ah, quem disse que a morte não é bonita?"

A resposta chegou para Marie numa noite de forte nevasca na Península Polar. Seu pai havia sofrido um acidente no trabalho e acabou sendo morto afogado enquanto cortava o gelo. Sua mãe tentou salvá-lo, mas acabou indo junto com ele. Juntos afundaram água abaixo. Aquilo foi o fim do chão que segurava Marie, e agora ela caia sem chegar a lugar nenhum, em um eterno e imenso vazio.

Qual será o fim de uma garota que é considerada patética para todos que viviam no mesmo vilarejo que ela?

Graças a sua aparência sombria, Marie nunca teve contato com outras pessoas, fora seus pais. Mas não que ela não quisesse, e sim porque parte daquelas pessoas sentiam medo dela. A outra parte sentia nojo pela sua aparência esguia e albina, quase que sem vida, praticamente uma cadáver falante que interagia entre os vivos.

Sua reputação não ajudava ela a achar uma solução para aquele problema, a solidão. A qual havia deixado um buraco no seu coração. Coração esse que todos fingiram não existir por duas semanas após o enterro dos seus pais, que aconteceu ao lado da casa deles, de frente ao lago que tanto amavam quando vivos. Marie assistiu tudo pela janela do seu quarto, no primeiro andar. Não saiu até que todos fossem embora, e só restasse o vento, o lago, a neve e as lágrimas derramadas por ela.

Entretanto, numa noite como aquela que havia levado os seus pais, Marie observou da janela do seu quarto surgir uma figura desconhecida, caminhando avidamente contra a tempestade que acontecia lá fora. Ela acompanhou o seu percurso inteiro até a aparente criatura chegar à sua porta. Ela bateu três vezes, "toc, toc, toc", e os ombros da menina subiram, acompanhando a sonoridade, assustada.

Baixou o livro que estava lendo, deixando ele fechado sobre o baú que havia no pé da sua cama, aproveitando o trajeto, apanhou a vela que ali estava e seguiu para fora do quarto. A luz da vela persistia em bruxulear em sua mão trêmula que segurava o píres que servia de apoio para manter a vela em pé.

Pensou diversas vezes em fingir que não estava em casa, não sabia o que esperar se abrisse aquela porta. Mas a expectativa de alguém estar a procurando venceu o seu medo, fazendo com que ela se movesse.

Assim que terminou de descer as escadas, se posicionou à frente da porta.

- Quem está aí? - perguntou Marie com uma orelha na porta e um coração na mão.

- Quero falar com a senhorita Marie Durant. Ela está? - o desconhecido parecia exacerbado, como se um "não" que ela respondesse significasse a sua morte.

Coração de PrataOnde histórias criam vida. Descubra agora