Não tinha ninguém em casa. Todas as suas coisas haviam sumido e quando digo todas as coisas, estou falando até mesmo da embalagem de chocolate que você deixou cair no chão essa manhã. É como se você nunca tivesse vivido comigo.
Não consigo expressar a sensação inicial que experimentei, talvez incredulidade? Angústia? Certifiquei-me de examinar toda a casa antes de sair cambaleando para a rua, encontrando-me bem no centro da cidade, sobre as luzes de néon, banhado pelo brilho artificial das lâmpadas espalhadas em cada esquina. Faltava meia hora para a meia-noite. Já estive aqui inúmeras vezes, mas é a primeira vez que me sinto deslocado, sem saber por onde começar a minha busca. Agora, é como se você nunca tivesse vivido nesta cidade.
Apesar de tudo, eu te procurei, determinado a saciar a fome da cidade ao adentrar cada vez mais profundamente e investigar seus recônditos. Distante o suficiente para que as luzes desaparecessem. A madrugada passava enquanto a cidade me absorvia.
Eu não te encontrei.
No dia seguinte, arrumei uma desculpa para não comparecer ao trabalho. Aleguei estar doente, incapacitado até mesmo para sair da cama. Eu apenas necessitava organizar algumas coisas, uma decepção amorosa não é justificativa para não ir trabalhar, disso eu bem sei. Contudo, somente naquele dia, eu desejava me isolar, chorar um pouco. Por céus, um indivíduo deve possuir esse direito. Sinceramente, eu ansiava por me libertar desses sentimentos, dessa maldita sensação de abandono, proveniente da minha paixão.
Foi a primeira vez que passei quase um dia inteiro em completo absorto. Já havia feito algumas ligações para alguns amigos próximos, com a esperança de que um deles tivesse alguma informação sobre seu paradeiro atual. Infelizmente, não obtive respostas, como se você realmente não quisesse ser encontrado. Era hora de me retrair e aceitar sua decisão, por mais difícil que fosse.
Que se dane você e que se dane eu também, por permitir que toda essa confusão me consuma dessa maneira. Por enquanto, apenas por hoje, eu vou chorar por você...Eu sou um péssimo mentiroso.
No dia seguinte, quando fui trabalhar, notei a preocupação dos meus colegas, porém tranquilizei-os dizendo que estava tudo bem. Somente nossos amigos mais próximos eram cientes da verdade, e vez ou outra eles me visitavam com a intenção de me confortar até o momento em que eu conseguisse superar tudo isso.
Demorou meses, porém, eu finalmente decidi tentar te deixar pra lá, mergulhando de cabeça no trabalho. Nos fins de semana, estava tão exausto que não tinha tempo para pensar em você.
Às vezes, me vejo reflexionando sobre os instantes em que estivemos juntos. Foram momentos maravilhosos, contudo, já se findaram. É como se esses momentos fossem apenas um sonho agora, não parecem reais.
Você está se tornando cada vez mais enigmático em meu pensamento. Minha rotina me afasta de sua imagem a cada dia, consumindo tudo de bonito que um dia tivemos.
De qualquer maneira, eu queria apenas que o cara do apartamento ao lado abaixasse a música. Ele está lá, sempre escutando aquelas músicas que te arrastam para o abismo.
Em certas noites, quando apenas não quero pensar em nada e relaxar no sofá com uma garrafa de cerveja, aquela suave melodia surge, transformando toda a atmosfera do lugar em nostalgia de algo que nunca deveria ter acontecido
*Oh, don′t leave me behind*
Eu realmente não precisava ouvir aquela música, sim, definitivamente era a última coisa que eu precisava, mas ela estava lá, estuprando meus ouvidos, meu cérebro, minhas emoções. Só não fez o mesmo com meu coração, pois ele está em algum lugar desconhecido. Está com alguém que não deseja ser encontrado. Mas lembre-se, estou tentando seguir adiante, foi apenas um pequeno deslize devido a essa maldita canção de amor. Em breve, deixarei você para trás.
*Without you, I would cry*
Deus, eu odeio essa música.
— Without you, I would cry...— sem perceber, eu havia começado a repetir o refrão. Que droga.
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1 ano se passou, eu acreditava que tudo estava bem, mas na manhã de hoje, um dos meus amigos veio até mim e, pelo tom de voz dele, tive a sensação de que ele tinha algo para compartilhar que arruinaria o meu dia. No entanto, por ser um masoquista, decidi que queria saber do que se tratava, então sugeri nos encontrarmos no bar de sempre, depois do meu expediente de trabalho. Se fosse algo que estragaria o dia, pelo menos que fosse à noite, quando eu já tivesse cumprido todas as minhas obrigações. Acertamos o horário e tentei o dia todo não pensar a respeito disso.
Ao entardecer e acender meu primeiro cigarro, dirigi-me ao local marcado para receber a notícia que me despertava tanto interesse. Era como folhear um obituário antigo, lendo e relendo sobre a morte de algo que um dia estivera presente em minha vida. Eu precisava verificar, apenas para relembrar que aquilo foi declarado como morto por nunca ter sido encontrado. Conhecemos bem o procedimento, se após muito tempo não encontrarmos nada, simplesmente encerramos as buscas e declaramos sua morte. Assim era minha forma de pensar sobre o desfecho do nosso amor.
Assim que entrei no estabelecimento, meu amigo ergueu o braço e me fez um aceno convidativo para me juntar a ele na mesa que ele escolheu. Ele já havia solicitado uma bebida. Indaguei se ele havia esperado muito tempo, ao que ele afirmou que não, apenas alguns minutos.
Houve um breve momento de silêncio, durou alguns segundos, ele suspirou baixinho, ajeitou-se na mesa e disse para mim:
— Tive uma conversa com ele hoje de manhã.
— Você está se referindo a...
— Sim, é exatamente dele que estou falando.
Naquele instante, cheguei a pensar em pedir uma bebida forte também, porém, já havia exagerado na dose nos últimos meses e não desejava me descontrolar, não mais.
— Ele tem mensagem para você ele disse que-
Antes que ele seguisse, levantei minha mão como um sinal de interrupção. Eu não queria ouvir, mesmo que naquela hora, o motivo de toda essa merda fosse finalmente revelado. Fechei os olhos para me concentrar e voltar à compostura. Eu estava visivelmente abalado, mas se tinha alguém que merecia ouvir algo, era aquele maldito covarde que nem sequer me olhou nos olhos para contar os seus motivos para ter feito o que fez.
— Antes de me falar a mensagem dele, apenas diga-me...Você acha que são apenas desculpas esfarrapadas?
Meu amigo ficou calado, mas assentiu com a cabeça.
— Então eu não quero ouvir, mas eu tenho algo para dizer — ainda meio nervoso, prossegui — Ele sempre carregará um pedaço de mim, eu estaria mentindo se dissesse que não. Falta algo, algo na nossa maldita residência que, não importa o que eu faça, nada parece preencher o espaço que ficou. Nesse momento que estou com você, é como se estivesse apenas uma metade de mim revirando tralhas antigas para recuperar o que perdeu. O que eu quero dizer é: se você o encontrar novamente, diga-lhe para ficar com essa metade e nunca, nunca mesmo, aparecer para me devolvê-la. Vou construir uma nova parte em mim e, desta vez, ele não conseguirá roubá-la.
A conversa havia chegado ao fim, era o término definitivo.
Ao sair do bar, olhei novamente para as luzes que ofuscavam a noite real, elas agitavam-se sobre a minha cabeça, quase como bolas de espelhos na boate, tocando uma última música triste que estava prestes a terminar, mas não antes que minhas lágrimas refletissem o brilho do néon.
Mas lembre-se: em breve, deixarei você para trás.
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Em algum canto do mundo
Random"Em algum canto do mundo" são pequenos contos sobre pessoas tentando lidar com problemas e algumas situações bastante delicadas, tendo um leve toque sombrio. Em um conto, um homem sem um nome revelado tenta lidar com a perca de seu primeiro amor. Em...