Capítulo 29 - Ideias

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Nem tenho tempo de forçar o ar pela garganta apertada quando as duas solicitantes entram. E engasgo com a surpresa.

Esperava por senhoras, não por Ellana e sua inseparável companheira Gabrielle.

Os grossos cachos castanhos de Ellana estão presos para o alto num rabo de cavalo, umas mechas caindo sobre os ombros cobertos pelo vestido rosa, que combina com o tom quente de sua pele castanha-dourada. Já Gabrielle usa um delicado arco de prata nos curtos e pretos cabelos encaracolados; o vestido verde-água num corte sóbrio realça tanto as íris olivadas quanto a pele negra, de um tom suave de castanho. Elas têm praticamente a mesma altura.

Reparo nisso tudo porque segundos transcorrem e elas permanecem paradas perto da porta fechada, trocando olhares ansiosos após o cumprimento reverencial.

Só então me dou conta de meu erro.

Gesticulo para as cadeiras adiante... e percebo que meu material ainda está espalhado por ali. Poderia me esticar sobre a mesa e puxá-lo, mas, além de ser descortês, precisaria conseguir me mexer.

Pigarreio.

— Pode empurrar isso para mim, por favor? — aponto.

Ellana é quem me atende e murmuro um rápido agradecimento.

Outro silêncio.

Encaro as duas.

Elas trocam outro olhar.

A torre bufa em desdém pelo pesado ar de constrangimento no gabinete. Minha coluna é um cabo de aço puxado em máxima tensão.

— ... então? — indago, erguendo uma sobrancelha. — Por que solicitaram uma audiência?

— Pensamos que a rainha quem... — Gabrielle balbucia, mas então se interrompe de súbito, arrependida, como temendo me ofender.

— Meus pais tinham assuntos a resolver e me deixaram responsável — esclareço, torcendo para soar profissional e não entregar o desconforto que também sinto. — Para virem até aqui procurar minha mãe, suponho que não seja algum problema tão corriqueiro. Podem esperar que ela retorne ou podem agilizar, me dizendo do que se trata e verei o que posso fazer.

Mordo o interior da bochecha, estremecendo internamente com as palavras que soam mais afiadas do que o pretendido.

Elas trocam outro olhar, numa conversa silenciosa como as que tenho com Hector.

Sinceramente, não sei se prefiro que elas se levantem e decidam aguardar por mamãe ou que me deem um voto de confiança para resolver o tal problema. Aperto as mãos sob a mesa tal como os espinhos pressionam meu peito.

Não quero estragar tudo. Não apenas por conta do dever, mas por ser a primeira vez que tenho a oportunidade de trocar alguma palavra com elas sem estar cercada por outros ouvidos atentos para julgar qualquer respiração. E talvez...

Talvez, se eu for capaz de ajudar na questão delas, percebam que não as desprezo?

Meu coração martela e os segundos parecem minutos.

Ellana pigarreia e remexe-se na cadeira à esquerda, alisando a frente rosa-escuro do vestido liso.

— Alteza, a questão é que Gabi... Gabrielle, digo... quer muito estudar Medicina, mas a Academia não abre vagas para mulheres e o Instituto Técnico não possui essa formação. Então, gostaríamos de pedir autorização para que ela seja aceita na Academia de Lunagory. Sabemos que não é habitual, mas gostaríamos de tentar todas as formas e saber a opinião da rainha antes de desistir — diz num fôlego rápido, porém, sem tropeços.

Tratado de Vidro - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora