Capítulo 13 - Caminhos

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— Mas o quê...?

— Alguma coisa roçou em mim! Eu disse que tinha-

Um longo e choroso miado me interrompe.

Hector arqueia uma sobrancelha, comprimindo os lábios numa falha tentativa de não rir. Sob mim, sinto a vibração de riso subir de seu peito até se abrir nas duas luas e faiscar nos olhos.

— Um gato é tão ameaçador que precisa me proteger com seu próprio corpo? — implica, rindo... embora o braço permaneça ao redor de minha cintura, o calor de sua mão atravessando o vestido leve enquanto me mantém sobre si e acrescenta cinicamente para o ar: — Está vendo, não é, Alex? Ela me chamou de paquerador descarado, mas ela quem se jogou em cima de mim-

Dou um peteleco em sua testa exposta e rolo para me desvencilhar dele com o que me restou de dignidade — quase nada. Quando faço isso, seu cotovelo vacila e ele tomba por completo na grama macia, rindo.

Enquanto isso, o causador do alvoroço está sentado no meio do nosso bloco, lambendo serenamente uma pata dianteira. E, apesar do susto e constrangimento subsequente, é impossível ficar irritada com a bolinha de pelos negros... em especial quando ele ergue a cabeça e olhos amarelos me encaram.

Sento-me e estendo a mão devagar, para não assustá-lo, e afago a cabeça macia.

— Se parece com ele, não é? — sussurro para Hector quando ele se senta ao meu lado, varrendo os pedaços de grama e pétalas do cabelo.

— Numa versão de bolso. Nem como filhote Alessor era nanico assim — implica com meio sorriso ao estender um dedo e coçar atrás da orelha direita do gato, que aceita complacente...

Como o próprio Alessor, quando Axl o encontrou pelo bosque do palácio, próximo a Toca.

A melhor hipótese sobre como o filhote de lintera chegou lá, sozinho, foi de que passou pelas grades do portão abandonado. Mas como, exatamente, chegou tão perto da capital ou sequer onde estava a mãe, ninguém soube dizer. Em especial porque eram grandes felinos considerados extintos há pelo menos cinco décadas.

Outra grande surpresa foi meus pais terem permitido ficarmos com ele. Não sei se o que os fez mudarem de um espantado "está doido, Alexander?" para um exausto "tá, tá, pode ficar" foi o tagarelar desenfreado ou a lábia argumentativa de Axl. Os especialistas terem garantido que era mais seguro o lintera ficar resguardado no palácio, com um cuidador, contribuiu. Bastou isso para Axl aglutinar nossos nomes e batizar o felino que, apesar do porte ameaçador, era quase tão dócil quanto o gatinho diante de nós.

Somente a cor da pelagem e dos olhos lembram Alessor, mas a saudade se espalha em agulhadas enquanto meus dedos acarinham os pelos macios. E é quando sinto uma fita ao redor do pescoço estreito.

— De quem você fugiu, pequenino? — sussurro para ele. O gato apenas ronrona e rola para ficar de barriga para cima, e sou incapaz de conter o sorriso.

— Acho que ele gostou de você — Hector declara com um risinho, coçando o peito do bichano. — Por que nunca adotou um?

— Não tenho tanto tempo para cuidar e acabaria dando mais trabalho para Rosa e Brigitta... e seria muito fácil ele se perder pelo bosque do palácio — murmuro a fração mínima da razão. A mais fácil de admitir.

Perder Alessor apenas três meses depois de Axl foi quase demais para suportar. Não suportaria perder mais um assim.

Mas claro que Hector enxerga a verdade omitida, e suspira, lançando breve olhar para o bosque próximo: o lugar em que viu Alessor desaparecer, sem que pudesse fazer nada, por conta da gélida chuva outonal e meu estado...

Tratado de Vidro - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora