Capítulo 30 - Dúvida

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Embora meus pais não tenham me dado um prazo para concluir o projeto e que haja outras pendências mais imediatas na lista de deveres, minha cabeça não para de traçar possíveis rotas de como desenvolver a situação o mais rápido possível.

Não apenas porque a atualização da Academia deveria ter acontecido há tempos, mas para, confesso, fazer jus à confiança que mamãe depositou em mim. Suas palavras me pegaram desprevenida, comichando em meu peito; e ao voltar para a saleta agradeci internamente que Hector ainda estivesse se exercitando, pois nem saberia explicar o motivo das lágrimas patéticas que caíram quando fiquei sozinha.

Não quero que ela se arrependa de ter dito isso. E não quero fracassar nesse projeto, tão importante quanto o CESIT. Dessa vez, entretanto, posso contar com a ajuda de Hector. Verbalizar as ideias soltas em voz alta e poder contar com alternativas dele é um diferencial bem significativo em comparação a anos atrás, de quando passava as madrugadas falando com as paredes e tinha como resposta apenas o escárnio depreciativo da torre.

Sendo o primeiro projeto de Hector, a empolgação se mescla a uma ansiedade obsessiva de querer resolver tudo no mesmo dia. Apesar de entender o sentimento e estar determinada a fazer de tudo para que o projeto saia do papel o mais breve possível, existem coisas sobre as quais não estou determinada a ceder para isso.

Uma delas é a saúde de Hector.

Se eu estivesse sozinha no quarto essa noite, provavelmente seria capaz de ir até as quatro rabiscando ideias. Mas como ele está aqui, tiro a caderneta de sua mão e a fecho sem aviso.

— Ainda não terminei de ler as-

— Termine amanhã. São duas da manhã, sabia? — interrompo, pousando um dedo sobre seus lábios e deixando a cabeça cair no encosto do sofá. — Nem consigo mais raciocinar.

Não é uma completa mentira. Desde a conversa com o embaixador de Lunagory esta manhã, não paramos de discutir o assunto. Chegamos a algumas resoluções iniciais e teremos boas notícias para Gabrielle amanhã, mas este ainda é o primeiro degrau de uma longa escadaria da qual sou incapaz de antever quantos degraus ainda serão necessários até nosso objetivo. Só isso já é o bastante para espremer meu cérebro, mas são as sombras surgindo sob os olhos dele que me convencem a parar por hoje.

— ... e pensar que eu não queria trazer assuntos de governo para o quarto... — resmungo, balançando a cabeça para mim mesma.

Hector dá um risinho, abaixando minha mão.

— Queria fazer o quê no quarto, então? — implica, arregalando os olhos em fingida inocência e choque.

Reviro os olhos.

— Pular na cama.

— Isso seria difícil com o dossel — ele ri. — Sem mencionar... já se recuperou o bastante para esse tipo de esforço, minha senhora?

Dou a ele um olhar atravessado e uma almofada na cara. Nos últimos dois dias, ele tem se divertido em me provocar se oferecendo para me levar nas costas para eu "não me exceder demais na minha idade".

— Que tal se calar para irmos dormir? Não sei se lembra, mas além da reunião, temos um evento amanhã, querido — resmungo, levantando-me do sofá... apesar de preferir permanecer aqui com ele, como nas madrugadas de pesadelo.

Com risinho sacana, mas rendido, Hector me segue.

Como se já estivéssemos vivendo essa rotina há anos, em vez de apenas um mês e meio, nos acomodamos sob as cobertas; após apagar as luzes e travar a porta, me arrasto para o centro da cama, onde ele já me aguarda com um travesseiro — o menor disponível.

Tratado de Vidro - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora