— Como está?
É a primeira pergunta de mamãe assim que termina o jantar. Ela e papai atravessam o salão até o canto que costumo ficar, no janelão perto da sala de jogos.
Lanço um olhar enviesado para Hector.
— Não perde tempo, né? — bufo. Ele encolhe os ombros, sem remorso. Antes que mamãe saia em defesa dele, emendo: — Estou ótima, como pode ver.
— Ele disse que desmaiou...
— Queda de pressão porque me levantei rápido.
— Mas isso nunca aconteceu...
— Também nunca fui tão estúpida de tentar ficar de pé logo ao acordar.
Mamãe exala um suspiro cansado.
Ela usa um vestido azul-crepúsculo pouco mais escuro do que o usado em minha lembrança — o que torna a passagem de tempo mais evidente. Embora mal seja perceptível que ela tem quase 46, por estar ótima e jovial, mamãe recuperou pouco do peso perdido durante a doença e luto de Alexander; antes, seu corpo era mais cheio e curvilíneo e o rosto, arredondado, como o de Annabella. Quanto ao papai, seus cabelos perderam o dourado tom solar, se tornando pálidos e opacos, e as olheiras tomaram o rosto sem cor.
Observando-os assim, não consigo reprimir o incômodo cutucão no peito. Estão bem mais cansados do que deveriam estar na idade que têm graças à Coroa sugando sua vitalidade... mas uma parcela disso se deve ao meu comportamento.
— Desculpa, não farei isso de novo, então não precisam se preocupar — murmuro, num único fôlego, desviando o olhar por ser covarde demais.
— ...
O silêncio se estende acima dos burburinhos da corte e do suspiro da brisa que acaricia minha cabeça...
De súbito, mamãe coloca a mão sobre minha testa e na dobra do pescoço.
Duas vezes.
— Que mer-
— Linguajar, Alissa! — mamãe censura rapidamente. Para papai, acrescenta: — A temperatura está normal.
Ignoro o risinho de Hector e faço uma careta para eles.
Como ela espera que socializar com as damas seja simples se até quando tento ser cortês com ela, mamãe já pensa que estou doente?
— Vocês não têm gente para ouvir hoje? — desconverso. — Que tal irem lá, mostrar como se socializa, antes que Thereezee pense que vieram me dar um sermão e venha se juntar à confraternização? Ah, olhem só... bem ali, não é a Condessa Cherisse? Parece querer falar com vocês, porque não para de olhar pra cá com a aquela cara amassada-
— Alissa!
Ergo as sobrancelhas para o choque de mamãe.
— Menti? A cada ano que passa, ela se parece ainda mais com um mara-
— Isso não é algo que se diga e tampouco algo para se rir, Hector!
— Mas a senhora está quase rindo também... Não está? — replico, erguendo o olhar para papai, uma estátua de lábios inexistente de tão comprimidos ao lado de Hector, que tampa a boca e treme. Acho que o acesso de humor da década se esgotou no gabinete. — Podem rir do apelido ridículo que Hector me deu, mas eu não posso comentar que a cara amassada da condessa é amassada?
Mamãe de imediato controla a expressão, o tremor no canto dos lábios cessando, embora também esteja longe da pose majestosa.
— Não esqueça que precisa ser acessível e interagir com as pessoas. Além disso... por que estão nesse canto isolado? Não deveria estar conversando com as damas que divide a mesa, como sugeri?
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Tratado de Vidro - HIATUS
FantasíaNa véspera de seus 18 anos, a princesa-herdeira de Thempesta, Alissa, descobre-se prometida em casamento por um tratado e recebe a inesperada proposta de fuga feita pelo herdeiro do reino vizinho. De repente, se vê presa no dilema de abandonar a fam...