Capítulo 1

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Bilbo tinha certeza de que havia pego seu guarda-chuva naquela manhã, ele lembrava claramente da cena onde ele abre a porta e tem um pensamento rápido de que choveria durante a tarde, ele supostamente se vira e alcança o guarda-chuva na pequena mesa ao lado da entrada e finalmente sai para começar seu dia. E Bilbo, sendo uma pessoa atenta a esse tipo de detalhe, nunca esperava que ao buscar dentro de sua bolsa uma proteção para os pingos que começavam a cair, encontraria nada além da pequena ansiedade de se encharcar enquanto transporta papéis importantes.

Buscando desesperadamente por um lugar onde se esconder da tragédia iminente, ele percebeu que a maioria dos estabelecimentos estavam fechando, decidiu então tomar uma das decisões mais humilhantes que uma pessoa em público pode tomar: correr. A chuva começou a engrossar e piorar, até que o vislumbre de uma fachada de vidro com as luzes acesas na calçada do outro lado chamou sua atenção. Atravessou a rua depressa e entrou no local de supetão, o que logo se arrependeu ao perceber a falta de educação que aquela atitude mostrava. Que tipo de Bolseiro entraria em um comércio encharcando o chão e nem ao menos daria o devido boa tarde?

— Ah Deus, mil desculpas por entrar desse jeito e molhar tudo, mas é que eu... oh.

Como em um clichê de um filme para adolescentes, Bilbo teve todos os seus pensamentos e desculpas interrompidas ao colocar seus olhos redondos no homem mais lindo que ele teve o privilégio de ver pessoalmente nas suas três décadas de vida. Com cabelos compridos, olhos azuis, a grande barba muito bem cuidada e o avental que favorecia seu físico. O que foi uma experiência muito interessante para ele, já que não era de seu feitio sair por aí criando borboletas no estômago por pessoas visualmente atraentes. Mas como para tudo existe sua primeira vez, sentiu seu rosto esquentar como uma fornalha e sua boca abrir em transe, como se não tivesse passado por situações constrangedoras o suficiente para um único dia.

— Claro, você tinha que entrar logo aqui. — Veio o resmungo do homem atrás do balcão. — Vou buscar uma toalha para você nos fundos.

Aproveitando a ausência do atendente, Bilbo puxou o ar que não percebeu que estava prendendo, olhando o ambiente agora com mais calma ele percebeu que o lugar era uma cafeteria, muito confortável apesar de sua simplicidade. Com o balcão à esquerda e as mesas à direita, a luz amarelada iluminava todo o ambiente fazendo ele se lembrar um pouco da sua própria casa. Não ousando se mexer muito para não molhar nada além do metro quadrado de tapete que já estava completamente arruinado, ele esticou o pescoço para olhar as mini tortas que sobravam sozinhas na estufa na outra ponta do balcão, já pensando em levar as duas em compensação ao atendente bonito e à si mesmo pelo dia conturbado. Não escutou a primeira frase dita pelo homem, mas supôs que não fosse importante. Se distraiu um pouco ao divagar sobre como voltaria para casa se a chuva não diminuísse, não queria pedir um táxi morando tão perto da cafeteria, e acabou acalmando o sangue que corria por suas bochechas. Só voltou ao mundo real vendo o vulto do homem e ouvindo sua voz novamente.

— Você pode usar o banheiro ali na direita se quiser torcer suas roupas na pia. Só quero que saiba que estamos fechando.

Estendendo duas toalhas brancas para Bilbo, o atendente apontou para duas portas no canto do ambiente, e mal esperou que elas fossem pegas antes de se virar e sumir novamente atrás da porta que havia entrado antes.

"Bonito e um tanto quanto rude, não querendo ser ingrato é claro." Bilbo bufou incomodado enquanto andava depressa até o banheiro masculino. Torceu todas as peças de roupa, uma tarefa demorada para quem insiste em usar coletes, camisas e várias formalidades como ele (vestimentas apropriadas para um Bolseiro que se preze). E logo quando estava tirando os papéis da sua bolsa para observar o estrago feito, se assustou com três batidas fortes na porta, apressou-se e guardou tudo de qualquer jeito abrindo a porta ansioso. Foi surpreendido com um guarda-chuva sendo empurrado bruscamente no seu peito e duas mãos firmes nos seus ombros o conduzindo até a saída. Muito confuso para tentar falar ou impedir de ser arrastado por aí.

— Acredito que teve tempo suficiente até agora, mas realmente estamos fechando. Boa noite!

Com a despedida, Bilbo se viu do lado de fora da cafeteria, pulando com o barulho da porta batendo atrás de si e as luzes se apagando, sendo deixado sozinho com as luzes amarelas dos postes e a chuva ainda caindo. Apesar do choque, abriu rapidamente o guarda-chuva para evitar molhar-se novamente, sentiu a irritação borbulhar no peito ao mesmo tempo que uma carranca fechava o rosto. Se dirigiu para casa pensando no quão bonito era o cabelo comprido do barista mal-educado, duvidando se as pessoas ainda tinham senso de modos e etiqueta naqueles dias. Não que ele próprio não tivesse seus dias ruins, aliás ultimamente eles estavam cada vez mais frequentes, mas não era hábito seu descontar um mau humor em desconhecidos por aí. E se estivesse exagerando? Começou a falar sozinho em seu trajeto, aproveitando as ruas agora vazias.

— Ora, ele foi gentil ao me dar toalhas e um guarda-chuva, não reclamou do tapete molhado e me ofereceu o banheiro. Deus, não tente dar desculpas para si mesmo, Bilbo Bolseiro! Só porque ele tinha lindos olhos azuis não quer dizer que ele pode sair por aí empurrando pessoas e mandando elas se apressarem. Um homem cansado não pode nem se secar no seu próprio tempo, aparentemente. — E começou a resmungar, usando o aborrecimento acumulado como combustível do seu monólogo rabugento.

E o que estava mantendo Bilbo tão irritado não envolvia somente os acontecimentos daquele dia, mas também o estresse que vinha acumulando não só a semana toda, mas há vários e vários meses. Algumas pessoas o consideravam alguém caseiro demais para se colocar em situações que envolviam tantos problemas, e ele até podia concordar se a afirmação tivesse sido feita há muito tempo. Antes de Gandalf insistir que ele tentasse recuperar e administrar o restaurante dos seus pais, Bilbo se considerava alguém apaixonado pela sua zona de conforto, nunca tentando estourar sua bolha e viver aventuras além de ir e voltar da loja de especiarias do próprio Gandalf. Amava sua rotina simplória e seu círculo social envolvendo duas pessoas, seu chefe e seu sobrinho Frodo. Acontece que, tendo tão poucas relações, elas acabam sendo muito profundas, e no fim Bilbo passava tempo o suficiente com Gandalf e Frodo para ambos lhe encherem a paciência sobre heranças familiares, até que ele ficou de saco cheio de um velho na casa dos 50 e um jovem de 20 resmungando e resmungando por dias a fio, e decidiu que cederia a vontade deles de entrar com uma ação judicial para tomar posse do restaurante que Lobelia Bolseiro tinha tomado em um acordo nada justo. O que parecia uma decisão simples se provou muito mais difícil do que eles previram, fazendo quase onze meses de audiências e dezenas de problemas novos. Quem imaginaria que ele se proporia a passar tanto tempo lutando por um estabelecimento que ele mal queria, uma herança que ele abriu mão tão facilmente.

Bilbo se via cada vez mais cansado, ainda carregava a falta que sentia dos falecidos pais, do recente falecimento dos pais de Frodo, o peso de auxiliar o sobrinho na entrada para a vida adulta sem os genitores. E mesmo tentando se manter firme, existiam dias que o peso do mundo era demais para um homem da sua estatura. Trancando a porta atrás de si, ele se arrastou até o banheiro, não pensando duas vezes antes de tomar um banho quente para lavar o estresse e tentar evitar um resfriado, aproveitando o momento sozinho para derramar a frustração pelas lágrimas. Preferia chorar em banhos quentes pois era onde conseguia evitar melhor os pensamentos de ser um homem adulto sozinho e frustrado, de não conseguir formar laços a mais para acompanhá-lo nos momentos difíceis da vida, de ser um Bolseiro que não honrava a família. E em dias como aquele, era costume colocar o chá no fogo e comer biscoitos assados nos dias de chuva, sentado na cama assistindo pela décima vez um filme clichê que ele poderia acompanhar as falas de cor, absorvendo todo o conforto do lar e das cobertas quentinhas.

Com o sono batendo à sua porta, lembrou que teria que devolver o guarda-chuva do barista bonito e mal-educado, esperava que ele pelo menos fosse mais gentil com suas palavras e ações no dia seguinte. Poderia até dar uma bronca nele por ter sido tão bruto, e claro, comprar algumas mini tortas para amenizar a situação. Acabou dormindo com o cheiro das tortas o acompanhando nos sonhos.

Tempestade de CaféOnde histórias criam vida. Descubra agora