Bravo Novo Mundo

18.9K 1.1K 126
                                    

Acordei apavorado naquela noite. Quer dizer, durante aquela semana inteira pesadelos me atormentavam de uma forma tão vivida que eu não conseguia distinguir o que era verdade e o que não era. A princípio acreditei que se davam por causa do meu extremo cansaço, causado pelas viagens que fiz em visita aos clãs da Inglaterra, mas com o passar do tempo aqueles sonhos ruins permaneceram e cada vez mais arrepiadores.

Respirei fundo, percebendo que estava novamente em meu quarto, e forcei a deitar-me outra vez. Ela acomodou sua cabeça em meu braço, deixando os cabelos loiros e compridos forrá-lo. As mãos pequenas alisavam o meu peito e seus lábios delicados beijava-me o tronco.

- Teve outro pesadelo? - Perguntou com a voz rouca, por causa do sono. A observei na esperança de ver seus olhos azuis, mas os achei fechados. Estava cansada e ainda sonolenta.

- Não quero falar sobre isso, Maggie. - Pedi e ela respirou fundo.

- Como você quiser. - Respondeu a humana ao meu lado. Era uma das nossas doadoras restritas e, recentemente, a mulher que ocupava minha cama.

Esperei que o Sol nascesse antes de esgueirar-me de seus braços e me levantar sem fazer barulho. Peguei minha calça e a camisa, que estava jogada em um canto qualquer do quarto, e me vesti rapidamente, saindo em seguida. Caminhei pelo corredor dos dormitórios e segui direto para a sala de leitura. Era um lugar especial daquela casa. O teto era rebaixado e bem no centro havia um sofá em meia lua, dentro de uma parte mais baixa do chão. Tínhamos que descer dois degraus para alcançar onde sentar. As paredes eram inteiramente de vidro inquebrável e dava vista diretamente a um jardim verde perfeito. Olhei para cima, para as três prateleiras que ficavam na parte superior da parede, e busquei um livro qualquer. Precisava desvencilhar minha mente de tudo o que vinha acontecendo e aquela era a melhor forma.

Sentei-me confortavelmente no sofá e folheei as páginas do livro de William Shakespeare, chamado de "O Mercador de Veneza". Já havia lido aquele, inúmeras vezes em meus séculos de existência, mas sempre o tornava a ler, redescobrindo o livro a cada vez.

- Deixe-me adivinhar: Pesadelos outra vez? - Perguntou a mulher atrás de mim, sentada na mesa do computador. Não a notei quando cheguei.

- Culpado. - Respondi erguendo as mãos e suspirando.

- Você quer conversar? - Annabelle saiu da cadeira e sentou-se ao meu lado no sofá, apoiando a cabeça em uma das mãos e me encarando sem desviar os olhos. Ela conseguia ser intimidadora e persuasiva, quando queria.

- O mesmo de sempre. - Respondi fechando o livro.

- Você está tão preocupado com ela, ao ponto de ter pesadelos a noite, mas não a responde quando te chama. Eu não consigo te entender, Arthur.

- Alice não precisa de mim. - Respondi de maneira rude. Annabelle era a única para quem eu contava tudo, sem deixar nem uma virgula de fora. Ao longo dos anos, se tornou uma grande amiga.

Ela e o irmão, Zacharias, eram filhos do primeiro modificado que transformei. O nome dele era Pierre e era um nobre da corte francesa que foi condenado por bruxaria, juntamente com a esposa, e mortos na fogueira durante a inquisição, em 1542. Não havia ninguém que cuidasse dos filhos deles e confiaram a mim essa tarefa, mesmo que Annabelle já tivesse mais de dezesseis anos e o menino tivesse acabado de completar doze. Eu os protegi desde então.

Zacharias, infelizmente, foi morto pelos lobisomens três anos antes. Quando ainda não éramos todos aliados, quando ainda havia a guerra entre os clãs e eles lutavam pelos comuns, quando Alice entrou em minha vida.

- Mais cedo ou mais tarde você vai ter que esquecê-la. Sabe que o que ela viveu com Victor foi forte, muito mesmo. Você deveria se dar uma chance, deixar se apaixonar outra vez e não ficar com essa viseira, chamada Alice, privando-lhe de enxergar que tem pessoas que dariam tudo para estar ao seu lado. E não estou falando da Maggie.

Eterno - Livro 2 (Trilogia Imortal)Onde histórias criam vida. Descubra agora