Valáquia, 1468
O menino cruzou a porta do enorme casarão ás pressas. Respirava com bastante dificuldade por ter corrido em busca de ajuda por mais de uma hora. Os olhos verdes estavam arregalados quando finalmente subiu as escadas desesperado, nada o deteria. Estava imensamente preocupado com o seu irmão, que estava bastante doente nos últimos dias.
Entrou pelo corredor e seguiu até o último quarto dali, abrindo a porta às pressas.
- Fecha a porta, Arthur. - Mandou o irmão encolhido ao lado da cama, em uma parte onde não havia nenhum rastro de luz. O quarto era tremendamente aconchegante e iluminado apenas pelas chamas das velas. Não era tão luxuoso, como se esperava que fosse quando se tratava dos filhos de um Vóivoda, mas tendo em vista que Vlad tentava retomar o trono de Valáquia nessa época, eles não podiam pedir mais.
- O doutor já está vindo. - Respondeu correndo até a porta e a fechando-a. Depois seguiu até o irmão que se encolheu ainda mais e colocou a cabeça entre os joelhos. Abaixou-se ao lado dele.
- Não deveria estar tão perto, Arthur. Se isso chegar a ti? Não quero que fiques doente igual a mim.
- Não vou adoecer e não sairei de teu lado. - Respondeu o menino. Tinha doze anos e sabia que a única família que tinha era seu irmão. O seu pai, o Príncipe Vlad Tepes, havia sido preso por Matias Corvino, rei da Hungria, quando os meninos tinham pouco mais de seis anos. Foram criados por parentes distantes, mesmo sendo herdeiros do trono de Valáquia. Quando tinham dez anos, ele foi libertado e voltou para casa. Se escondeu até 1474 quando iniciou uma invasão e conseguiu a retomada do poder, com a ajuda do homem que o manteve cativo e a qual ofereceu uma das suas filhas para que ele desposasse. Por isso os dois aprenderam a se apoiar um no outro, não tiveram ninguém por eles. - Sente-se melhor, Victor?
- Não. Minha cabeça parece que soltará de meu pescoço, de tanta dor. Há um ardor em minha garganta, parecendo que engoli uma brasa em chamas. Sem contar que não posso sequer abrir as janelas, porque o sol me fere como se tivesse sido jogado em uma fornalha ardente. - Victor enxugou algumas lágrimas e engoliu com dificuldade. Olhou para o irmão em seguida, sem entender porque Arthur o mirou amedrontado quando o fez. - O que?
- Seus olhos. - Comentou sem sequer se mexer.
- O que há com eles? - O menino levou suas mãos ao rosto enquanto o outro levantou-se rápido e lhe trouxe um espelho. Victor paralisou ao ver seu reflexo. Os olhos verdes haviam desaparecido como em um passe de mágica, dando lugar a um par de cor incrivelmente clara, quase brancos. - Não. - O menino apertou os olhos e os esfregou, sem surtir efeito algum. Permaneciam claros. Arremessou o espelho em um canto qualquer e mais lágrimas lhes molharam as bochechas. - Arthur, eu estou com medo.
- Vai ficar tudo bem. A ajuda logo estará aqui e você vai ficar bom. É uma promessa. - O gêmeo passou o braço ao redor do ombro do irmão e lá ficou. Sabia que Victor precisava dele e estaria sempre disposto a ajudar. Esperaram por mais alguns minutos, antes que alguém batesse na porta do quarto. Arthur correu até lá, enquanto o outro escondia-se do sol que entrava.
- Onde ele está? - Perguntou um homem entrando no quarto. Usava uma roupa própria da época e trazia alguns aparelhos em sua bolsa de mão. Victor não respondeu, apenas encolheu-se ainda mais. Abaixou-se na frente do menino e o apoiou. - O que você está sentindo, filho? - Perguntou. O rapaz ergueu a cabeça, achando que o assustaria com a cor de seus olhos, mas não foi essa a reação que obteve. Olhou para um dos cacos do espelho, no chão, e percebeu que lá estava o par verde outra vez.
- Minha cabeça dói, minha garganta queima e o sol me fere.
- Como assim o sol lhe fere? - Perguntou com o cenho franzido. Victor levantou-se do chão, com um pouco de dificuldade, e aproximou-se da cortina. Abriu uma greta apenas, o suficiente para passar um fecho de luz, e colocou o braço no raio do sol. Imediatamente começou a soltar fumaça e abriu uma ferida grande ali. O recolheu o mais rápido que conseguiu, apertando o lugar com força.
O médico aproximou-se do menino e lhe puxou o braço. Parecia que aquele lugar havia sido cauterizado.
- Isso é impossível. - Olhou para o garoto. - Deite-se, vou examiná-lo. - Victor deitou-se na cama, enquanto Arthur apenas observava tudo de longe, assustadamente. Tomava conta da porta para que ninguém abrisse. - Onde dói?
- Minha cabeça e meu estômago. - Respondeu ajeitando-se sobre o travesseiro. - O senhor já tinha visto algo assim?
- Não em todos os meus anos de vida. Você parece ter desenvolvido uma forte aversão ao Sol, mas não sei ao certo por que. - Puxou a cabeça de Victor para perto e examinou seus olhos, ouvidos e coloração da pele e dos cabelos. - Abra a boca, criança. - Mandou por fim e o menino assim o fez. - Engraçado, alguns de seus dentes são estranhos. Pontudos e duplos. - O médico ergueu o lábio superior de Victor e, sem querer, furou-se nos caninos. Um furo tão profundo e certeiro que o sangue caiu na língua do menino. Aquilo foi suficiente para que os olhos mudassem de cor e se tornassem brancos outra vez. O homem afastou-se rápido da cama, assustando com aquilo. Não era natural e jamais seria. - O que é isso?
Victor não desviava os olhos dele. O vampiro, recém descoberto, olhava-o de uma forma que o fez tremer. Victor via o sangue correndo por baixo da pele do doutor e conseguia ouvir o coração dele bater tão rápido quanto podia.
- Irmão? - Chamou Arthur, mas o gêmeo sequer piscava. Sentia seu corpo entrar em frenesi e começar a tremer de uma forma incontrolável. Victor o olhou e o garoto percebeu que ao invés de estarem brancos, como havia visto alguns minutos antes, os olhos estavam assumindo uma coloração tão vermelha quanto sangue.
- Ele não está doente. Há trevas nele, por isso os olhos do demônio. Não é à toa que vocês são filhos de Vlad Dracul, o filho do diabo. - O homem comentou engolindo secamente. Começou a tentar se afastar o máximo e chegar até a porta do lugar, mas Victor o olhou novamente e rosnou. Saiu de cima da cama, em uma velocidade incrível, e bloqueou a passagem. Assustado, o sujeito sacou uma arma de sua casaca. Preferiria apenas ir embora e não o matar, mas não foi isso que Arthur entendeu com aquele gesto.
Quando percebeu que Victor estava na mira, correu e se jogou na frente do irmão. O doutor assustou-se e apertou o gatilho. As balas de chumbo o atingiram em cheio no peito e o fez cair no chão, buscando sorver um pouco de ar.
O homem correu rapidamente para fora do quarto quando Victor percebeu o que aconteceu. Os olhos vermelhos desapareceram, assim como as presas. Olhava para o irmão agonizante no chão.
- Arthur... - Abaixou-se ao seu lado. - Fala comigo.
- Está tudo bem, Vic... - Interrompeu-se porque começou a tossir e a engasgar com o próprio sangue.
- O que eu faço? Te suplico, me diz o que eu faço. - Perguntou o gêmeo em desespero, mas não obteve resposta. O irmão estava com as vistas fixas no teto e não respirava mais. O sacudiu, chamando-o pelo nome, mas de nada adiantou. Desabou a chorar. Acreditou mesmo que havia perdido o seu único amigo e família. Imaginou como seria dali em diante. Desde que nasceram o tinha como braço direito e agora ele havia sido levado de uma forma tão brutal que não tinha sequer explicação. Victor jurou arrancar o coração do médico naquele momento. Ele pagaria por tudo aquilo com dor e sofrimento.
Abaixou a cabeça e limitou-se a sofrer em silêncio, assustando-se quando Arthur sentou-se às pressas.
O jovem segurava no lugar onde havia recebido os tiros, antes de começar a tossir e cuspir as balas de chumbo que lhe perfuraram o estômago. As outras foram expelidas de sua pele e caíram no chão.
Olhou para Victor rapidamente e examinou o irmão que não piscava. Estava estático com aquilo, principalmente porque os olhos de Arthur tomaram uma tonalidade extremamente preta.
- Mas o que aconteceu? - Perguntou sentindo seu par de presas lhe ferir a boca e a pele do abdômen repuxar enquanto os buracos de bala cicatrizavam a uma velocidade incrível. Segundos depois estava completamente curado. Se não fosse o sangue na camisa, ninguém jamais diria que aquilo aconteceu.
- Eu não sei irmão. - Respondeu Victor assumindo sua forma vampírica, por causa do reconhecimento das espécies.
Naquele momento surgia a lenda. Ali nasceu Os Primeiros.
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Eterno - Livro 2 (Trilogia Imortal)
VampirosOBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL Esta história é o segundo volume de uma trilogia, por isso segue o link do primeiro e terceiro livro: 1 - https://www.wattpad.com/story/27356482-imortal 3 - https://www.wattpad.com/story/83344360-infinito-livro...